DANIELE MADUREIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A peça de roupa fabricada no Brasil pela Shein pode custar o mesmo ou ser até mais barata que a peça de roupa importada da China hoje. Quem garante é o sócio da Shein, o boliviano Marcelo Claure, presidente da varejista de moda online no Brasil e na América Latina, que tem a ambição de tornar o país um dos polos de produção e distribuição global da Shein.
“O Brasil tem tudo, tem a matéria-prima, o algodão, o poliéster e o jeans”, disse Claure à reportagem, na recém-inaugurada sede da Shein no país, na avenida Faria Lima, zona oeste de São Paulo, endereços de bancos e multinacionais. “Meu sonho é que tenhamos designers brasileiros, tecidos brasileiros, fabricação brasileira e a venda dos produtos em todo o mundo. Estamos perto de conseguir isso.”
Segundo Claure, o custo de produzir roupa na China pode ser menor do que no Brasil, mas existe um alto custo envolvido em trazer a roupa da Ásia para o consumidor brasileiro.
“As economias obtidas com a logística nos permitem pagar os custos mais altos de fabricação no Brasil, o que incluem os impostos”, diz. “As primeiras fábricas que montamos nos mostram que os custos são similares. Não precisamos mais importar algodão brasileiro, fabricar na China e exportar para o Brasil.”
Hoje a Shein já tem 151 fábricas trabalhando com exclusividade para a varejista online. “Sou orgulhoso em dizer que, um mês depois de anunciarmos a produção local no Brasil, já temos peças brasileiras vendidas localmente”, afirmou Claure, referindo-se ao compromisso da Shein com o governo brasileiro, anunciado em 20 de abril, de investir R$ 750 milhões dentro de três anos, com a contratação de 2.000 fábricas no país. “Até o final deste mês, serão 200 fábricas.”
De acordo com Claure, o Brasil já representa um dos cinco maiores mercados da Shein no mundo, atrás apenas de Estados Unidos, Arábia Saudita, França e Inglaterra.
“A Shein faz negócios com 165 países e o Brasil é um dos três onde a empresa mais cresce”, diz. A empresa não revela faturamento, mas estima-se que as vendas anuais estejam na casa dos US$ 23 bilhões (R$ 117 bilhões), o que a coloca em nível semelhante às gigantes do varejo têxtil, donas de redes de lojas como a espanhola Zara e a sueca H&M.
Em abril, a companhia anunciou um acordo com a Coteminas, que pertence ao atual presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Josué Gomes da Silva. O memorando de entendimentos prevê que os 2.000 clientes confeccionistas da Coteminas passem a ser fornecedores da companhia asiática para atender os mercados doméstico e da América Latina. A expectativa é gerar 100 mil empregos indiretos.
O anúncio veio na sequência sobre a polêmica envolvendo a sonegação de impostos nas compras em marketplaces asiáticos que vendem para o Brasil produtos a preços módicos. O governo brasileiro decidiu taxar as vendas desses sites, acabando com a isenção de tributação nas importações no valor de até US$ 50 (R$ 255) entre pessoas físicas. Havia a suspeita de simulação de compras entre pessoas físicas para escapar do imposto.
Diante da repercussão negativa da proposta, no entanto, o governo recuou da decisão. Na sequência, a Shein anunciou os investimentos.
Segundo Claure, ao final dos próximos três anos, 85% das vendas da Shein no país serão de produtos fabricados aqui ou de vendedores online (“sellers”) locais, cadastrados no marketplace da empresa.
“O Brasil está sendo uma plataforma de inovação para a Shein como um todo”, diz ele. “É o primeiro país onde estamos produzindo localmente fora da China e um dos três primeiros a contar com um marketplace local os outros são Turquia e Estados Unidos”, afirma. Atualmente, 20 categorias de produtos nacionais são vendidas no marketplace no país.
EMPRESÁRIOS BRASILEIROS CRITICAM EM VEZ DE ENTENDEREM QUE PRECISAM REVER SEUS MODELOS’
Quanto às acusações de concorrência desleal e até pirataria, feita pelos empresários brasileiros contra os sites asiáticos, Claure diz que o trunfo da Shein não é o não pagamento de impostos, mas sim o modelo disruptivo de produção sob demanda, digitalizado e integrado aos fornecedores, que usa inteligência artificial para garantir quase 0% de estoque. “Nós somos uma empresa muito ágil”, diz. “Em vez de os empresários entenderem que precisam rever seus modelos de produção, criticam.”
A fast fashion usa um sistema de fabricação digital, por meio do qual a base de fornecedores compartilha a sua capacidade em tempo real. A Shein seleciona os tecidos e os seus estilistas desenham os modelos a partir das opções disponíveis. A empresa conta com milhares de estilistas espalhados pelo mundo, inclusive no Brasil, aos quais paga um percentual sobre as vendas.
“O modelo da Shein é sob demanda. Só fabricamos o que o consumidor quer. Temos a capacidade de criar, fabricar e começar a vender em sete dias”, diz Claure. “Lançamos 2 mil produtos novos por dia.”
Filho de diplomatas bolivianos, Claure é um ex-alto executivo do mercado (trabalhou os últimos sete anos no Softbank) e investiu do próprio bolso US$ 100 milhões na Shein. Diz ter visitado, no início deste ano, fábricas da Shein na China para se certificar das condições de trabalho, tendo em vista as acusações de trabalho análogo ao escravo que pesam sob a empresa. “Vi pessoas trabalhando contentes”, diz.
O empresário, que se formou em Boston (EUA), foi o fundador da Brightstar, uma fornecedora de equipamentos de telecomunicações vendida ao SoftBank, do qual se desligou em janeiro do ano passado.
“Quero voltar a empreender, agora na América Latina, em especial no Brasil, onde há ótimas ideias, mas falta capital”, diz ele, cujo family office (empresa privada que faz a gestão de investimentos de uma família), o Claure Group, administra US$ 3,3 bilhões (R$ 17 bilhões) em recursos. A Shein foi o primeiro investimento significativo até o momento.
“Estou estudando novos negócios, de preferência, disruptivos”, diz ele, que elogia o modelo da Uber, que revolucionou o transporte nas cidades, ao se mostrar uma alternativa econômica aos táxis e ao transporte individual.
Aos 52 anos, Claure mora oficialmente em Nova York, com a sua segunda esposa e as filhas mais novas, incluindo uma caçula de 4 anos (ele tem outros cinco filhos, o mais velho de 28 anos). É um apaixonado por futebol e dono do Club Bolívar. “Que venceu o Palmeiras por 3 a 1 no mês passado”, brinca.