IDIANA TOMAZELLI, LUCAS MARCHESINI E RENATO MACHADO
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Uma mudança na Lei das S.A. proposta pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prevê punir administradores de empresas que infringirem as regras de funcionamento do mercado de capitais, o que inclui casos de fraude contábil.
Investidores lesados pelas irregularidades poderão propor uma ação judicial específica para cobrar indenizações, e os administradores serão civilmente responsáveis pelos prejuízos, desde que comprovada a culpa ou o dolo (intenção de agir).
O projeto busca dar maior segurança jurídica aos investidores e afastar o risco de novas crises de confiança no mercado de capitais brasileiro, depois do impacto negativo causado por casos emblemáticos de fraude contábil envolvendo Americanas, CVC e IRB.
Após a revelação das inconsistências no balanço das Americanas, grandes varejistas brasileiras viram suas fontes de crédito secarem em meio à desconfiança generalizada de que outras empresas do setor pudessem ter problemas em suas demonstrações contábeis.
O objetivo do governo é atuar de forma preventiva, assegurando mecanismos de punição e ressarcimento caso novos episódios de omissão de informações ou fraudes ocorram no futuro.
O projeto de lei com as mudanças foi encaminhado nesta sexta-feira (2) ao Congresso Nacional. O texto será analisado primeiro pela Câmara dos Deputados e, depois, pelo Senado Federal.
Se aprovadas, as novas regras serão aplicáveis a fatos ocorridos a partir da sanção do texto. Isso significa que os casos recentes, embora tenham contribuído para motivar as discussões internas do governo, não terão suas apurações afetadas pelas mudanças.
A proposta também aumenta os poderes da CVM (Comissão de Valores Imobiliários), órgão responsável por fiscalizar o mercado de capitais. O texto autoriza a autarquia a solicitar ao Judiciário a adoção de medidas de busca e apreensão para auxiliar em suas investigações.
Hoje, o regulador do mercado não tem essa prerrogativa, já concedida ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
O fortalecimento da CVM também passa pela abertura de um novo concurso público para o preenchimento de vagas na autarquia num futuro próximo. Esse ponto específico, porém, não está no escopo do projeto enviado ao Legislativo.
O conjunto de medidas parte do diagnóstico do Ministério da Fazenda de que as leis que regem o mercado de capitais são boas, mas há um desafio de fazer com que elas sejam aplicadas na prática. A avaliação é de que é preciso modernizar os instrumentos e ampliar a capacidade de fiscalização para aprimorar o funcionamento do mercado.
Mesmo que a CVM conseguisse detectar todos os problemas, seu principal instrumento é a aplicação de multas. A autarquia não garante o ressarcimento de eventuais prejuízos dos investidores, sobretudo os minoritários -tarefa que cabe à Justiça.
Os mecanismos judiciais, no entanto, são considerados deficitários e raramente resultam em condenações.
O projeto de lei quer abrir novas possibilidades para que acionistas de empresas abertas busquem a responsabilização de administradores por danos causados. O texto também pretende facilitar a proposição de ações de responsabilidade civil contra o administrador pelos prejuízos causados ao seu patrimônio.
A lei hoje diz que esse tipo de ação compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembleia geral de acionistas. Como alternativa, acionistas que representem pelo menos 5% do capital social da companhia também podem tomar essa iniciativa.
O projeto de lei elaborado pelo Ministério da Fazenda reduz essa trava, ampliando o escopo de acionistas que podem ingressar com a ação. Um dos dispositivos reduz a exigência a acionistas que representem no mínimo 2,5% do capital social, ou cujo valor seja igual ou superior a R$ 50 milhões.
O governo ampliou a porta de acesso porque 2,5% do capital social de uma empresa muito grande poderia representar uma exigência difícil de ser atendida. No caso da Petrobras, por exemplo, seria R$ 9,46 bilhões.
O texto proposto pelo governo Lula também prevê mecanismos para dar maior transparência aos processos de arbitragem usados para resolver conflitos societários -prática muito usada por companhias que aderiram ao chamado Novo Mercado, segmento de maior governança na Bolsa.
Hoje, os processos de arbitragem são sigilosos. O projeto institui, como regra, a publicidade desses processos, cabendo à CVM decidir sobre a necessidade de sigilo em algum caso.
O Ministério da Fazenda afirma, em nota, que o objetivo do projeto é “aprimorar a proteção dos investidores minoritários no mercado de capitais contra danos causados por atos ilícitos de acionistas controladores e administradores, aumentando a segurança jurídica dos investimentos”.
“A intenção é assegurar o desenvolvimento seguro do mercado de capitais, alinhando o Brasil às melhores práticas internacionais”, diz a pasta.
O órgão afirma esperar que a medida contribua para a melhoria da governança corporativa das empresas, “com o consequente aumento da confiança dos investidores no mercado de capitais e maior estímulo à concessão de crédito fora do sistema bancário, diversificando as fontes de financiamento das empresas”.