O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, concede entrevista a veículos de imprensa da América Latina, no palácio presidencial, em Kiev – Oleksandr Popenko/Public Interest Journalism Lab/Divulgação

RENAN MARRA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, buscou constranger e pressionar o governo brasileiro ao insistir em um encontro bilateral com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para discutir o conflito no Leste Europeu e a alegada posição de neutralidade de Brasília, afirmam especialistas.

Em entrevista à Folha de S.Paulo publicada na quinta-feira (1º), o líder ucraniano voltou a reforçar o convite para uma reunião e criticou o que chamou de falta de vontade e de tempo do petista para se encontrar com ele no mês passado em Hiroshima, na cúpula do G7, grupo que reúne algumas das maiores economias globais.

Parte dos analistas ouvidos pela reportagem diz que Zelenski explora as críticas feitas ao posicionamento do governo Lula sobre a guerra. Em abril, a porta-voz do presidente Joe Biden chegou a dizer que a postura de Brasília não tem sido de neutralidade, em repúdio à fala do petista de que os EUA incentivam o conflito e de que Moscou e Kiev dividem responsabilidade pela maior crise de segurança na Europa desde a Segunda Guerra.

“O presidente Lula está fugindo de um encontro com Zelenski. E a insistência do ucraniano faz com que o Brasil fique na defensiva e em posição desconfortável para se dizer neutro”, diz Gunther Rudzit, especialista em segurança internacional e professor de relações internacionais da ESPM.

Zelenski disse na entrevista que o desencontro que impediu a reunião no Japão não foi culpa de Kiev, o que contradiz afirmações de Brasília –Lula disse que o ucraniano não apareceu na hora marcada. O presidente da Ucrânia afirmou ainda que fez contato com a equipe do petista em outras ocasiões, como nas viagens à Espanha e Portugal.

A tentativa de constranger o governo brasileiro, segundo Rudzit, tenta forçar o Brasil a se posicionar de forma mais firme. A estratégia é justificada pela liderança exercida pelo Brasil sobre outros países na América Latina –fator também mencionado por Zelenski na entrevista à Folha de S.Paulo.

“O encontro de Lula com líderes sul-americanos mostra o peso do Brasil na região e, por isso, existe essa disputa dos dois lados pelo apoio brasileiro. Não podemos esquecer que Serguei Lavrov foi a Brasília com trajes esportivos, querendo transmitir a imagem de que estava entre amigos”, diz Rudzit, em referência ao chanceler russo que, nesta sexta, de fato foi chamado de “amigo” por seu homólogo brasileiro, Mauro Vieira, em reunião do Brics na África do Sul.

A Guerra da Ucrânia ocorre num momento em que os países do chamado Sul Global, que vem tentando manter neutralidade, são mais disputados pelas potências globais, afirma Regiane Bressan, professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Ela diz que os países emergentes ganharam influência na geopolítica global a partir da crise financeira de 2008, que estourou nos EUA e é apontada como fator determinante para a ascensão da China.

“O conflito acontece no momento de redirecionamento dos polos do poder no mundo. Se antes a influência era exercida por Rússia e EUA, agora a China vem ocupando um papel cada vez mais importante na América Latina, buscando maior influência na região”, diz Bressan. “Zelenski deixa claro que tenta conquistar esse espaço, atualmente muito dividido”.

Além do apoio em organizações multilaterais, incluindo em votações nas Nações Unidas, o apoio de países do Sul Global pode endossar um plano de paz em condições mais parecidas com o que a Ucrânia demanda atualmente.

Na entrevista, Zelenski se disse disposto a ouvir as propostas do líder brasileiro para acabar com a guerra. Brasília defende a criação de um “clube da paz” formado por países não alinhados a nenhum dos lados do conflito para negociar o fim da invasão. A iniciativa é encabeçada por Lula, mas esbarra na falta de clareza e não gerou entusiasmo entre líderes ocidentais.

Já a Ucrânia afirma que o fim do conflito deve prever a devolução de todos os territórios ocupados, incluindo a Crimeia –posicionamento reiterado por Zelenski durante a entrevista.

Analistas concordam que, no curto prazo, não há perspectiva para o plano de Lula prosperar. A opinião foi endossada pelo assessor especial da Presidência para política externa, Celso Amorim, que viajou a Rússia e Ucrânia com o objetivo de prospectar cenários para uma negociação de paz. Segundo ele, os diálogos foram positivos, mas a ambição brasileira levará tempo para se materializar.

“Mas sementes estão sendo lançadas e podem germinar no futuro”, diz Dawisson Belém Lopes, professor de política internacional da UFMG. Segundo ele, o fato de Zelenski considerar ouvir a proposta de Lula mostra que o governo brasileiro está retomando o protagonismo global, perdido sob o governo Bolsonaro. “O esforço de pacificação na Ucrânia, conduzindo ou não à paz, por si só restabeleceu o Brasil como um interlocutor. O Brasil voltou a ser um jogador que importa no plano das relações internacionais”.