BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Câmara dos Deputados teve um esvaziamento generalizado de seus trabalhos, com suspensão de comissões, sessões e votações, em um movimento de pressão da bancada ruralista e do centrão sobre ações do STF (Supremo Tribunal Federal) e do governo Lula (PT).

A obstrução das atividades deixou a Casa sem nenhuma previsão de votação em plenário e resultou também no cancelamento da sessão desta quarta-feira (27) que votaria a PEC da Anistia.

Embora seja de interesse dos próprios parlamentares ao prever um amplo perdão de punições de partidos e políticos, a proposta de emenda constitucional teve sua viabilidade de sair do papel de forma integral para 2024 colocada em xeque pela posição do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de analisá-la sem pressa.

A interrupção dos trabalhos na Câmara ocorre em meio à revolta da bancada ruralista, que chega a reunir cerca de 200 deputados, com a decisão do STF de derrubar a tese do marco temporal nas terras indígenas.

A reação é amplificada pela irritação de parlamentares do centrão com a demora do governo petista em definir a entrega de alguns cargos, em especial na Caixa Econômica Federal.

Esse cenário de instabilidade na base se dá apenas três semanas após Lula ter demitido Ana Mozer e deslocado outro aliado de primeira hora, Márcio França (PSB), para uma nova pasta, com vistas a nomear ao primeiro escalão dois indicados do centrão: André Fufuca (PP-MA), no Esporte, Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), em Portos e Aeroportos, respectivamente.

Deputados afirmam que não há previsão de quando a Câmara voltará a funcionar normalmente.

“[Vamos obstruir a pauta] até quando a gente conseguir mandar o recado necessário de que o Parlamento faz o seu papel e o STF faz o seu papel”, afirmou Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, a fiadora da bancada ruralista.

Segundo ele, o grupo espera que o STF dê sinais de que mudará sua postura e também que os presidentes das Casas, Rodrigo Pacheco pelo Senado e Arthur Lira (PP-AL) pela Câmara, sigam apoiando a obstrução.

A PEC da Anistia já estava com sua tramitação arrastada por causa de divergências sobre pontos do texto e, mesmo sendo de interesse dos deputados, também acabou afetada.

Com o novo adiamento da votação, dificilmente será cumprido o prazo para que parte dela entre em vigor nas eleições municipais de 2024, justamente a que reservaria ao menos 15% das vagas nas Câmara Municipais a mulheres.

Para que isso ocorra, o projeto tem que ser aprovado em dois turnos pela Câmara e pelo Senado e ser promulgado até 5 de outubro.

A parte que anistia todas as irregularidades cometidas pelos partidos políticos, incluindo o descumprimento das cotas de mulheres e negros nas eleições de 2022, não precisa obedecer esse prazo (um ano antes da eleição) para entrar em vigor.

De acordo com parlamentares, o adiamento da PEC da Anistia também facilita negociar a tramitação com o Senado, além de atender a partidos que resistiam à entrada em vigor em 2024 de um mínimo de 15% das vagas para mulheres.

O presidente da Câmara encampa o movimento da bancada ruralista, iniciado no Senado e antecipado pela Folha de S.Paulo, de articular PECs contra temas debatidos ou em debate pelo STF, mais notadamente o aborto, a descriminalização das drogas, o imposto sindical e o marco temporal.

A visão da bancada ruralista e do centrão, sob reserva, é que o governo Lula tem responsabilidade sobre as pautas debatidas pelo STF e que articulou por elas. Por isso, o incômodo com o Supremo é transferido também ao Executivo.

A bancada ruralista pressiona para avançar de pautas de seu interesse no Senado, prioritariamente o projeto do marco temporal, a despeito do julgamento do STF que declarou a tese inconstitucional. A intenção do agro é que o texto seja deliberado no plenário já nesta quinta-feira (28), sem alterações com relação ao que veio da Câmara.

A base do governo, no entanto, aposta que consegue derrubar a proposta, que na realidade é bem mais ampla que apenas o marco temporal, permitindo também garimpo e usinas de energia elétrica em terras indígenas, além de flexibilizar as restrições de contatos a povos que vivem em isolamento.

Ao mesmo tempo, o agro pleiteia que Lira crie uma comissão especial para avançar a PEC que determina a indenização de proprietários rurais que tenham áreas convertidas em territórios indígenas.

Enquanto articula a total obstrução da pauta, o centrão acelera a busca por assinaturas para apresentar a PEC que autoriza o Congresso a reverter decisões do STF.

O grupo, formado por PP e Republicanos, além do oposicionista PL, ganhou dois ministérios no governo, mas pressiona pela ocupação de outros cargos, em especial na Caixa.

Lira havia dito em entrevista à Folha de S.Paulo que isso estava acertado, mas Lula negou em manifestação pública recente, não dando garantias sobre isso.

Outro foco de descontentamento com o governo é em relação à liberação de verbas e à entrega dos cargos negociados entre o Planalto e siglas aliadas.

A tensão entre partidos aliados e o governo ficou evidente nesta terça, quando um grupo de parlamentares do PSD emparedou o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) após um evento no Planalto.

Pelo menos três parlamentares cercaram o responsável pela articulação política do governo e, com gestos ríspidos, cobraram a liberação de recursos na área da saúde.

A deputada Laura Carneiro (PSD-BA) era a mais eloquente. Em determinado momento, chegou a falar em ameaça ao cargo da ministra Nísia Trindade, da Saúde. “Se a gente dançar, a ministra vai dançar também”, afirmou, segundo áudio captado pela rádio CBN.

Após o episódio, Padilha saiu do local brincando que tinha sofrido um “baculejo”.

O PSD pleiteia indicar o comando da Funasa (Fundação Nacional de Saúde).