BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A turma do STF (Supremo Tribunal Federal) responsável por analisar o recurso contra a decisão que anulou as provas da leniência da Odebrecht já se posicionou contra o uso dos dados desse acordo em ação contra o presidente Lula (PT).

Na última terça-feira (12), a ANPR (Associação Nacional de Procuradores da República) apresentou um recurso contra a decisão do ministro Dias Toffoli que declarou as provas inválidas, sob o argumento de que a ação deveria ter sido encerrada em fevereiro.

Esse recurso deve ser julgado pela Segunda Turma do Supremo, da qual Toffoli faz parte desde abril. Ele ocupa a vaga aberta pelo ministro aposentado Ricardo Lewandowski. Ainda não há previsão de quando isso acontecerá.

Além de Toffoli, fazem parte da turma os ministros Gilmar Mendes, Kassio Nunes Marques, André Mendonça e Edson Fachin.

Apesar de Fachin ser o relator da Lava Jato no Supremo e historicamente ter decidido de forma favorável à validade das provas de acordos de leniência, como o da Odebrecht, a maior parte dos outros integrantes do grupo tem derrubado ações da operação.

Decano da corte, Gilmar é o mais forte crítico da Lava Jato entre os ministros.

No recurso, um dos argumentos da ANPR é que Dias Toffoli decidiu em um processo que, originalmente, era apenas um pedido dos advogados de Lula para ter acesso aos autos em que tramitava o acordo da Odebrecht —e que esse processo não pode tratar do uso das provas em ações sobre outros réus.

Inicialmente, a intenção dos advogados de Lula era analisar esses autos para formular a defesa do petista na ação que investigava supostas vantagens indevidas recebidas por ele da Odebrecht e que tramitava em Curitiba.

Quem advogava para Lula à época era Cristiano Zanin, hoje ministro do Supremo indicado pelo mandatário.

O relator do caso à época era Lewandowski, que não só concedeu o acesso de Lula à leniência como anulou a possibilidade de uso de todas as provas do acordo no processo contra o petista. A ação acabou arquivada em fevereiro deste ano.

Anteriormente, porém, a Segunda Turma do Supremo já havia refutado um recurso do Ministério Público Federal com argumento semelhante ao apresentado nesta semana pela ANPR.

Naquele recurso, de 2020, a Procuradoria argumentou que a ação devia ter sido encerrada quando Lewandowski permitiu o acesso da defesa de Lula aos elementos de prova e aos dados que constavam no acordo de leniência.

Lewandowski levou o recurso para julgamento da Segunda Turma e negou o pedido, em voto com críticas à Lava Jato e a procuradores do Ministério Público Federal em Curitiba.

Segundo ele, havia “indícios que concluíram pela inequívoca imprestabilidade do Acordo de Leniência celebrado pela Odebrecht, bem como de seus anexos, como prova de acusação” em relação a Lula. Na ocasião, votaram com Lewandowski os ministros Gilmar Mendes e Kassio Nunes Marques.

Fachin discordou do posicionamento do colega.

O ministro destacou que os “vultosos valores” do acordo de leniência da Odebrecht foram espontaneamente devolvidos pela empresa, tendo havido “assunção de culpa num dos maiores episódios —senão o maior— de corrupção descortinada na história desse país, sobre o qual ainda recai, no seio da comunidade internacional, a pecha de ineficiência no combate à criminalidade organizada”.

Assim como Fachin, Mendonça, que também votou para derrubar a decisão de Lewandowski, disse considerar “descabido ampliar o escopo” do processo.

No recurso apresentado na última segunda, a ANPR pediu que o Supremo ao menos reconheça que a anulação das provas da leniência da Odebrecht não gera nenhum impacto sobre a validade do acordo.

Pede ainda que o Supremo declare que a validade do compromisso só pode ser questionada “em autos processuais próprios, submetidos ao contraditório e limitados ao pedido formulado por parte habilitada a defender os direitos da empresa leniente”.

Entidades com atuação no combate à corrupção no país têm se manifestado pela revisão da decisão de Toffoli.

“Apenas pelos graves e profundos impactos que produz no Brasil e, potencialmente, em mais de dez países pelo mundo, já se justificaria uma revisão colegiada dessa decisão”, diz Guilherme France, gerente na Transparência Internacional — Brasil.

Ele menciona que há “novas informações que contradizem o fundamento principal da decisão de Toffoli”.

Isso porque o ministro mencionou na decisão que o Ministério da Justiça não havia encontrado em seus sistemas dados sobre a existência de cooperação internacional com a Suíça para trazer ao Brasil os sistemas que registraram pagamentos de propinas da empreiteira.

Mas, depois da decisão, a pasta da Justiça localizou o acordo de cooperação e o enviou para o Supremo.

Especialistas consultados pela Folha, porém, veem a possibilidade de a decisão de Toffoli incidir na anulação de todo o acordo da Odebrecht, e não só das provas.

“A decisão abre, inquestionavelmente, uma janela para a nulidade total daquele acordo, além de representar um forte precedente jurisprudencial a ser utilizado por todos os réus no âmbito da Operação Lava Jato”, diz a advogada Vera Chemim, mestre em direito público pela FGV (Fundação Getulio Vargas).