SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Foi graças a um banquete de genitálias numa praia de nudismo que “Rotting in the Sun” deixou a internet eriçada, mesmo sem divulgar muito de suas cenas. Bastou uma foto do rosto do protagonista colado a um pênis estourado na tela, embora pixelado na versão das redes sociais, para o público tomar conhecimento de um filme que, não fosse por isso, talvez passasse despercebido.
Não que “Rotting in the Sun” não tenha seus méritos, indo além da nudez escandalosa. O longa dirigido pelo chileno Sebastián Silva foi elogiado no Festival Sundance deste ano e venceu o grande prêmio do júri no americano Outfest, uma das principais mostras dedicadas ao cinema queer.
Mas, no fundo, foi sua libertinagem que fez o título cair no boca a boca, de forma tão voraz quanto as bocas de seu elenco caem umas nas outras. E, agora, “Rotting in the Sun”, algo como apodrecendo no sol, chega à Mubi nesta sexta-feira (15) com um cartaz que alimenta a insaciável curiosidade do público.
Feito a partir de delicadas pinceladas, um urubu puxa um pedaço de carne de dentro de um lençol azul, que cobre o que aparenta ser um corpo. Uma mão escapa do tecido, mas o que realmente chama a atenção é um grande volume na altura da virilha, que aponta para cima com firmeza. Um defunto com uma ereção, em termos mais objetivos e menos sutis.
“Rotting in the Sun”, como o cartaz indica, é cheio de erotismo, mas está mais interessado em narrar uma história de “whodunit”, isto é, de um crime sem solução. Na trama, um diretor de cinema vive uma crise criativa e, ao mesmo tempo, despreza a sua vida.
Ele decide, então, seguir o conselho de um colega artista e passar o fim de semana numa praia de nudismo, frequentada em grande parte por homens gays em busca de sexo. Com um corte abrupto, a câmera direciona o espectador para o cenário idílico, onde o desfile de pênis que agitou a internet acontece.
Poucos filmes não pornográficos capturam com tanta proximidade e com uma diversidade tão grande genitálias masculinas reais quando aparecem no cinema e na televisão, elas tendem a ser próteses. Na praia de “Rotting in the Sun”, os membros balançam para fugir das ondas geladas, são polvilhados pela areia e acabam apalpados por mãos impacientes, antes de protagonizarem cenas de sexo também reais, não simuladas.
“Quando você vê um filme que tem, digamos, muitos animais, você não questiona a presença deles. A história também poderia funcionar sem eles, sem o cachorro que vemos em Rotting in the Sun. Então por que deveríamos cancelar os pênis?”, diz Silva.
“Muitos aspectos do filme não precisariam estar nele, mas os pênis fazem parte da sua estética. É um traço importante de um dos personagens, que é muito sexual, então não faria sentido censurar essa parte da vida dele”, completa o diretor, que também estrela e empresta seu nome para um dos protagonistas do longa
É que “Rotting in the Sun” mistura realidade e ficção, tomando o cenário real no qual Silva está inserido como contexto para a trama investigativa que acompanhamos. Os corpos nus em cena, aliás, são de frequentadores da praia que estavam lá no dia da filmagem e concordaram em aparecer no longa.
“Eu queria sempre mais, mas acabamos cortando muito do que gravamos. O meu personagem foi escrito a partir da minha pessoa, e eu sou muito aberto em relação à minha sexualidade. Então eu ajudei na escolha do elenco, porque procurei na praia por pessoas pelas quais eu mesmo me sentia atraído”, diz Jordan Firstman, que ganhou elogios de gente como Ariana Grande e Katy Perry com suas esquetes cômicas no Instagram e que coprotagoniza o filme.
Seu personagem, que leva o mesmo nome e também é um influenciador digital, faz a trama avançar quando conhece Sebastián Silva na praia. Fã de seu cinema, ele quer muito filmar com o cineasta, e vai atrás dele dias depois, na Cidade do México, mas não o encontra.
Firstman não ficou tímido ao tirar a roupa e até receber sexo oral em “Rotting in the Sun”. Numa das cenas, ele decide fazer uma pausa na investigação pelo paradeiro de Silva para relaxar entre drogas ilícitas e uma orgia.
Enquanto homens e uma variedade de brinquedos sexuais se divertem na cama em mais uma transa real, gravada sem coordenadores de intimidade, o personagem descobre uma pista do crime, pondo a narrativa de volta nos trilhos.
É a partir dessa energia caótica que “Rotting in the Sun” tece uma crítica ácida e espalhafatosa ao hedonismo e ao narcisismo que abatem em especial os gays, mas não só.
“É uma crítica, mas também um abraço a esse universo. Ele parece divertido e liberto, mas também alienador e obsessivo. E não é como se eu mirasse um grupo em particular, porque no filme todo mundo tem características horríveis. Ninguém é exatamente mau, mas todos são um desastre”, resume Silva.
“Rotting in the Sun” serve, ainda, como um ataque a uma forma de colonialismo contemporâneo, exemplificado pela relação de Fistman, americano, com o México e a praia nudista que visita, que teve seu nome trocado no filme justamente para que ele não contribuísse com a gentrificação pela qual passa, nas mãos de “gringos”. “Vai que o filme é um sucesso e todo mundo quer visitá-la”, diz Firstman, aos risos.
ROTTING IN THE SUN
– Quando Estreia nesta sexta (15), na Mubi
– Classificação 18 anos
– Elenco Jordan Firstman, Catalina Saavedra e Sebastián Silva
– Produção EUA, México, 2023
– Direção Sebastián Silva