BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Caso a nova proposta de contabilização das chamadas sobras proposta pela chamada minirreforma eleitoral estivesse valendo no pleito do ano passado, 36 deputados eleitos não teriam conseguido seu lugar na Câmara para a atual Legislatura.
O relatório avalizado pela Câmara aumenta a cláusula de barreira para que partidos sejam habilitados a concorrer a alguma vaga das sobras –aquelas que ficam vazias em razão de um candidato não ter atingido o quociente eleitoral.
Estudos internos da Câmara dos Deputados obtidos pela Folha de S.Paulo mostram ainda que o PT do presidente Lula seria um dos poucos partidos que passaria ileso com a mudança no cálculo. Na outra ponta, o PL do ex-presidente Jair Bolsonaro seria o mais afetado caso a nova regra já estivesse valendo.
O texto-base da reforma foi aprovado na noite desta quarta-feira (13), por 367 votos a favor e 86 contra. Nesta quinta (14), os deputados devem se debruçar sobre os destaques –votações sobre itens específicos que ainda podem mudar a proposta.
Se esse patamar mais alto estivesse valendo no ano passado, 36 deputados não o teriam atingido e, portanto, suas vagas teriam sido destinadas a outros nomes. O levantamento obtido pela Folha de S.Paulo não indica quais deputados teriam sido afetados, apenas o número de cadeiras que cada partido perderia.
Técnicos da Casa ouvidos sob reserva entendem que aumentar a cláusula de barreira tende a, no futuro, beneficiar partidos maiores em detrimento dos menores. Isso porque siglas pequenas tendem a ter mais dificuldade em alcançar o novo patamar, justamente por terem menos votos em geral. As grandes devem se adaptar com mais facilidade.
Como o quociente serve para partidos e também federações, os parlamentares mais elevados também viram um incentivo a esse tipo de união.
A reforma faz parte de um pacote de mudanças eleitorais impulsionado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), da qual também fazem parte a PEC (proposta de emenda à Constituição) da Anistia e a PEC das Mulheres.
A proposta da anistia pretende dar o maior perdão da história a partidos políticos, além de reduzir em mais da metade a cota eleitoral para negros. Já a PEC das Mulheres, que enfrenta maior resistência na Casa, pretende estabelecer uma cota de 15% das cadeiras dos colegiados de todo o Brasil a ser destinado a candidatas.
A chamada minirreforma é composta de dois projetos de lei. Ela abre brecha para afrouxar a aplicação da Lei da Ficha Limpa e da Lei de Improbidade Administrativa, entre outros pontos.
Também pretende determinar a gratuidade no transporte durante as eleições e inclui um dispositivo que poderia inviabilizar a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), que bloqueou o fundo partidário do PL após a sigla questionar as urnas.
Os parlamentares correm contra o tempo para tentar aprovar a minirreforma até 5 de outubro, a tempo de valer nas eleições municipais de 2024.
O relatório da minirreforma propõe mudar o sistema de cálculo das sobras, que atualmente funciona no sistema 80/20. Eles querem adotar o sistema 100/10.
As sobras são as cadeiras da Câmara para as quais nenhum deputado é eleito, por exemplo, por não ter atingido o quociente eleitoral. Essas vagas são então redistribuídas.
No modelo atual, estão habilitados a concorrer a esses postos os partidos que tenham atingido pelo menos 80% do quociente eleitoral (a chamada cláusula de barreira). Além do mais, o deputado que pleiteia a cadeira só pode assumi-la se ele sozinho tiver atingido pelo menos 20% do quociente.
Com a mudança de modelo, o candidato precisaria ter apenas 10% desse patamar, mas só poderiam concorrer aqueles que integrassem siglas ou federações que tivessem 100% –ou seja, inviabilizaria os partidos que não tivessem atingido a cláusula.
A cláusula de barreira é calculada por estado. Se o novo modelo valesse em 2022, o PT seria o único grande partido que não teria nenhum candidato afetado. Isso porque a legenda do presidente Lula foi a única grande agremiação que não teve nenhum eleito pelas sobras.
Outros partidos menores, como PSOL e Avante, também não seriam afetados em 2022 –mas porque essas siglas costumam concentrar esforços em alguns estados em que têm mais eleitores e, por isso, acabam ultrapassando a cláusula de barreira nesses locais.
A longo prazo, estimam parlamentares consultados pela reportagem, a nova regra pode dificultar ainda mais que as siglas menores consigam crescer de patamar nacionalmente, a não ser que busquem se federalizar com outras maiores.
O PL seria o partido que teria mais parlamentares afetados caso a nova cláusula já valesse em 2022, com seis nomes que perderiam assento. A legenda seria seguida por MDB, com cinco, e PP e PSB, empatados com quatro.