SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Lilia Cabral tem 66 anos, uma dezena de trabalhos no cinema e mais de 50 papéis na televisão, entre novelas e seriados, mas segue com o entusiasmo de uma jovem estreante quando lança uma nova obra. Tanto que a atriz aproveitou o lançamento da novela “Fuzuê” em Portugal para sair do Brasil na mesma semana de estreia do filme “Tire 5 Cartas”, que chega aos cinemas nesta quinta e do qual é a protagonista.
“Os anos passam, a gente tem todo tipo de experiência, mas não adianta, esse é o problema”, diz a atriz. “Tem gente que fala que a profissão é que nem filho, que depois do primeiro, o segundo vem mais fácil. Comigo não é assim, não, no segundo estou tão tensa quanto no primeiro.”
No filme, ela é Fátima, uma taróloga trambiqueira do Rio de Janeiro que precisa voltar a São Luís, no Maranhão, após receber, por acidente, um anel valioso e roubado. Perseguida por bandidos, ela é forçada a reencontrar sua irmã na estalagem da família, além de se reinventar após uma tragédia.
O clima leve domina a comédia dirigida por Diego Freitas, com participações musicais de Alcione e Sidney Magal. Até Cabral canta na história, estreando um novo lado da carreira. “Foi terrível, mas fiz um esforço e acho que deu certo”.
A dedicação é a prova de que a artista, como Fátima, continua a se reinventar. Na carreira, ela vive bom momento na televisão, com a novela “Fuzuê”, em que vive a mãe da vilã de Marina Ruy Barbosa, e nos palcos, com a peça “A Lista”, em cartaz há três anos ao lado da filha, Giulia Bertolli, também corroterista de “Tire 5 Cartas”.
Por telefone, Cabral conversa sobre “Tire 5 Cartas” e o alcance de “Fuzuê” com os jovens. Ela também comenta o momento atual do cinema brasileiro, 14 anos depois do filme “Divã”, maior sucesso de sua carreira, atingir quase 2 milhões de espectadores.
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Pergunta – Você trabalha pouco com cinema. Entre os lançamentos de “Divã” (2009) e “Júlio Sumiu” (2014) foram cinco anos. Por que?
Lilia Cabral – Eu gostaria de me envolver mais, eu gosto do cinema. Mas a televisão sempre aparece. Outro dia estava vendo uma retrospectiva que fizeram da minha carreira e, em todos esses anos, eu só parei mesmo na pandemia. A televisão te impede um pouco, e ainda tenho o teatro. Eu fiquei cinco anos fazendo “Maria do Caritó”, eu estou fazendo “A Lista” há três anos e “Divã” fiz por três anos e meio. Não que não dê tempo para fazer cinema, mas, dos projetos que vieram, alguns eu não achei que deveria fazer, outros não aconteceram porque o tempo não permitiu.
P. – Como “Tire 5 Cartas” chegou até você?
L. C. – Quando veio o convite, ele era um seriado chamado “Arcanos”. Era sobre uma taróloga nada confiável, e cada episódio era uma carta do baralho. O projeto era interessante e divertido. Mas veio a pandemia, e fazer uma série é muito difícil, você precisa passar por tantos trâmites que é melhor ir primeiro para o cinema e depois, se tiver chance, desenvolver o seriado. O produtor, Joaquim Haickel, veio com essa ideia. O que me atraiu à Fátima, porém, foram duas coisas que ele me disse que ela havia nascido no Maranhão e que era apaixonada pela Alcione, a ponto de querer ser uma cantora como ela. Isso me deu um negócio, e eu vou muito pela minha intuição.
P. – Você tem uma predisposição a fazer personagens fortes em comédias para o cinema. É algo que você leva em conta na escolha dos papéis?
L. C. – Quando fiz “Divã”, o papel era de uma mulher que se reinventava aos 40 anos, algo que era muito discutido na época. Tanto que o livro [em que o filme foi baseado] foi best-seller, porque ele ajudava as pessoas a se libertarem de muitos preconceitos. Agora se discute o etarismo, há essa conversa de “ah, os 60!” ou de “você está muito bem para a sua idade”. Eu não discuto isso. A vida é assim, você nasce, você vai morrer e você tem todo esse tempo no meio. A vida é uma sequência de descobertas, e em “Tire 5 Cartas” a gente tentou pôr muitas maneiras que o amor entre a Fátima e o marido nunca vai acabar. Mas a vida continua, e a gente não precisa ficar levantando bandeira sobre esse assunto. O mesmo acontece com a novela que faço no momento, “Fuzuê”. Daqui dez capítulos, meu personagem vai começar um relacionamento com um antigo amor. Mas esse amor não vem dizendo, “olha como as pessoas com 60 anos também podem amar”. Ele aparece porque o amor existe em qualquer idade e circunstância.
P. – “Fuzuê” é a sua primeira novela das sete desde “Começar de Novo”, de 2004. Há uma diferença do horário para as novelas das nove?
L. C. – Eu não vejo muita diferença, porque no fim é o teu trabalho e você vai defender aquilo. A diferença maior é a cobrança, porque na novela das nove ela existe e muito. Já na novela das sete é diferente, em especial porque a antecessora de “Fuzuê”, “Vai na Fé”, fez muito sucesso. Agora estamos trilhando um caminho bonito, e a novela vai muito bem. Os jovens estão apaixonados.
P. – Você acha que é um desafio a mais da novela hoje encontrar o público jovem?
L. C. – O público mais jovem hoje não tem o hábito de assistir novela tanto como era na minha infância e adolescência. Eu nem conseguia viver sem saber o que ia acontecer no dia seguinte na novela que acompanhava, de “Roda de Fogo” a “Roque Santeiro”. Esse hábito não existe agora. Os streamings estão aí para você assistir os capítulos a hora que quiser. Mas aí você percebe que o público está assistindo porque a novela começa a ser resgatada. No caso de “Fuzuê”, é uma novela divertida, colorida e solar, com personagens jovens e engraçados. São circunstâncias que vão se somando e continuam movimentando o programa. Mas pode ser que a próxima novela não seja assim.
P. – Qual é a sua opinião sobre cota de tela?
L. C. – É um recurso importante. É necessário olhar para o filme nacional como nós fazemos há anos. O filme nacional só surpreende. Quantas vezes uma produção fora do eixo não surpreendeu nas bilheterias? Mundialmente, você tem que olhar o cinema como arte, e não é bom estabelecer um patamar muito pequeno para aquilo que vem de dentro do nosso próprio país. Isso é frustrante.
P. – Faz 14 anos que “Divã” estreou nos cinemas brasileiros e quase alcançou a marca de 2 milhões de espectadores no país. Você acha que o filme teria condições de repetir esse feito hoje, sem a cota de tela?
L. C. – É mais difícil, mas há condições. Por exemplo, com o “Júlio Sumiu” a gente fez em torno de 200 mil espectadores. Vindo do “Divã”, que fez quase 2 milhões, a margem de diferença é muito grande, mas depois o filme foi sucesso nas plataformas e foi bem recebido em festivais. Mas aqui ele não agradou. Quantas pessoas não levam bastante gente ao cinema? Paulo Gustavo levou muita gente, Kleber Mendonça Filho, Walter Salles, Fernando Meirelles, enfim, todas essas pessoas são capazes de chegar a 1 milhão de espectadores. Antigamente era mais fácil, mas agora não é assim. A última vez [que um filme brasileiro ultrapassou a marca do 1 milhão de espectadores] foi com o Paulo Gustavo, e eu acho que vai demorar um pouco para atingirmos [esse número] de novo.
P. – Você foi uma das pessoas que abriu espaço para o Paulo Gustavo no começo da carreira.
L. C. – Conheci o Paulo quando ele fazia “Minha Mãe É uma Peça” no Teatro Cândido Mendes, que tem 80 lugares. Ele era um talento e uma pessoa generosa. Eu lembro de quando gravamos a série do “Divã” e, no último dia das filmagens, ele me deu um anel de presente. Eu tenho guardado até hoje e só uso em ocasiões especiais. Foi um presente de despedida, porque ele ainda estava começando, ia para São Paulo fazer “Minha Mãe É Uma Peça” em um teatro maior. Ele queria me agradecer, mas na hora falei: “Paulo, eu que tenho que te agradecer, você não sabe o quanto você abrilhantou o filme, está abrilhantando o nosso seriado e vai brilhar”. Ele de fato voou, foi um meteoro mesmo, um que a gente sente muita falta. É o tipo de personalidade que a gente nunca vai esquecer.