SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A história de Layrton de Oliveira, 22, Willians Santana, 36, e Evandro da Silva Belém, 35, e as de ao menos outras cinco pessoas têm algo em comum. Todos foram mortos em ações do Baep (Batalhão de Ações Especiais de Polícia) durante os 40 dias da Operação Escudo, no litoral de São Paulo.
As menções ao Baep nas ocorrências com mortes se multiplicaram a partir do dia 31 de julho, quatro dias após a morte do soldado Patrick Bastos Reis, 30, da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) em Guarujá, na Baixada Santista.
O Baep foi criado no governo Geraldo Alckmin, em janeiro de 2014. À época, o Brasil discutia a adequação das leis e dos órgãos policiais aos padrões internacionais de combate ao terrorismo, uma vez que o país se preparava para receber a Copa do Mundo e as Olimpíadas.
Conforme o decreto de criação do 1° Baep, com sede em Campinas, no interior do estado, a tropa seria responsável por operações especiais de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública; ações de controle de distúrbios civis e de antiterrorismo e ações de policiamento com cães e das ações de policiamento montado.
Seis meses depois, os jogos da Copa do Mundo na capital foram disputados na arena do Corinthians, em Itaquera, na zona leste.
A segunda tropa foi criada justamente em Santos, cidade vizinha a Guarujá, seis meses após o primeiro.
A reportagem procurou o hoje vice-presidente Alckmin (PSB) por meio de sua assessoria de imprensa no Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, pasta chefiada por ele no governo federal, mas não houve resposta a um pedido de entrevista nem envio de respostas aos questionamentos pelo email.
Os policiais do Baep têm prestígio e respaldo semelhante ao dado à Rota, tropa que normalmente tem atuação restrita à capital.
A Rota foi criada na década de 1970 com foco no combate a assaltos a banco praticados por grupos guerrilheiros que se opunham à ditadura militar. Mais tarde, o batalhão foi adaptado ao policiamento cotidiano e continuou marcada por um alto índice de letalidade nas ações.
“É um batalhão de elite equivalente à Rota, que chega no interior e chega na Grande São Paulo para dar mais segurança à nossa população”, disse o então governador Rodrigo Garcia ao criar o 15° Baep, em abril do ano passado na cidade de Guarulhos, conforme publicação na página da SSP (Secretaria de Segurança Pública).
Foram policiais do mesmo 15°, inaugurado há pouco mais de um ano, que mataram Evandro da Silva Belém na tarde do dia 31 de julho deste ano.
Segundo boletim de ocorrência, PMs patrulhavam a rua Joana de Menezes Faro, em Guarujá, quando decidiram descer do carro e realizar uma inspeção a pé em uma área de becos na favela da Aldeia. Eles relataram que, conforme caminhavam, ouviam o barulho de um radiotransmissor. Os policiais disseram que avistaram Belém, que, ainda segundo eles, escondeu-se entre muretas de uma antiga habitação.
De acordo com a narrativa dos policiais, Belém atirou uma única vez contra eles, que revidaram. O homem foi morto com dois tiros de fuzil e um de pistola.
Layrton Fernandes da Cruz Vieira de Oliveira, 22, foi morto por PMs do 8° Baep em 1° de agosto, em Santos. O corpo do ajudante de pedreiro foi encontrado em uma cama na casa de um amigo de infância. Familiares disseram que ele ainda estaria dormindo quando os PMs entraram na casa. Um cachorro também foi baleado durante a ação.
Consta do boletim de ocorrência que Oliveira estava dentro do imóvel, no morro São Bento, armado com um revólver calibre 38. Os PMs disseram que entraram no local após um suspeito fugir da mesma casa. Segundo os policiais, Oliveira atirou na direção da polícia, que revidou com quatro tiros de pistola de um de fuzil.
Horas depois, policiais do mesmo Baep se envolveram na morte de outro homem no mesmo bairro. A vítima foi Flavio Sérgio Menezes Cabral, morto a tiros de fuzil e pistola.
No boletim de ocorrência, os PMs contaram que foram recebidos a tiros, que vinham do alto do morro, ao descerem das viaturas. Eles afirmaram que subiram o morro e viram dois homens armados, que teriam fugido. A procura pelos suspeitos os levou a uma casa onde, segundo os PMs, foram recebidos a tiros.
Dois vizinhos disseram à reportagem, porém, que Cabral foi morto na casa depois de revelar a existência de um registro policial contra ele. Os vizinhos não conheciam a vítima.
As mortes de Oliveira e Cabral ocorreram horas depois de uma dupla de policiais de Santos ter sido atacada.
O 8º Baep, envolvido nessas duas mortes do bairro Jabaquara, em Santos, tem sede em Presidente Prudente. Para chegar até Santos, os policiais do 8° Baep viajaram cerca de 640 quilômetros, uma viagem em torno de sete horas de carro.
Fontes ouvidas pela reportagem indicam que as ações do Baep podem ter resultado em mais mortes. Há diversos boletins de ocorrência que não mencionam a unidade de trabalho dos policiais envolvidos. Boletins de ocorrência indicam a morte de ao menos cinco pessoas pela Rota na Baixada Santista, todas elas nos primeiros dias da Operação Escudo.
Registros oficiais ainda apontam ocorrências que resultaram em mortes com participação de agentes do 1° Baep (Campinas), 6° Baep (São Bernardo do Campo), 9° Baep (São José do Rio Preto), 12° Baep (Araçatuba) e 13° Baep (Bauru). O presidente de uma cooperativa de mototaxistas teve de ser internado ao ser baleado por policiais do 5° Baep (Barueri).
Durante entrevista coletiva na noite de terça (5) que anunciou o fim da Operação Escudo, o comandante da PM, coronel Cássio Araújo de Freitas, defendeu a participação dos Baep no litoral, afirmando que os policiais dispõem da técnica necessária para combater o crime organizado.
“Por isso, foi feito um rodízio de todas as pessoas que têm essa especialização para que viessem participar dessa operação. É uma doutrina nossa já consolidada que pode acontecer em qualquer outro lugar, não necessariamente apenas na Baixada Santista”, declarou Freitas.
“Estabeleceu-se uma crise, a gente tem que dar uma resposta técnica e legal. Por isso, essas pessoas vieram nos apoiar na Baixada especificamente”, acrescentou.
Na mesma entrevista, o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, citou a intenção criar Baep em Guarujá.
Derrite também afirmou que órgãos oficiais não foram notificados sobre a ocorrência de ilegalidades na Escudo e defendeu a atuação dos policiais na operação, que deixou 28 mortos. “São 28 confrontos de infratores que infelizmente optaram por resistir às prisões e acabaram efetuando disparos contra os policiais.”