RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Com o iPad sobre a mesa do restaurante italiano do qual é sócio, na Barra da Tijuca, o empresário carioca Alexandre Accioly não se contém: “Gente, como alguém pode ser contra isso? Puta merda, é lindo demais”. Nas telas aparecem, em sequência, imagens do projeto que a prefeitura do Rio anunciou como o vencedor de uma licitação para revitalizar o Jardim de Alah, na zona sul da cidade.
Abre parêntese. O Jardim de Alah é um parque construído ao longo do canal que liga as praias de Ipanema e Leblon à lagoa Rodrigo de Freitas. Com 93,6 mil metros quadrados e três simpáticas pracinhas, o lugar –uma joia, sob qualquer perspectiva: urbanística, imobiliária, ambiental– anda mal conservado, apesar de seu óbvio potencial como área de lazer urbano. Fecha parêntese.
Pelos próximos 35 anos, quem vai administrar esse verdadeiro latifúndio cravado no epicentro de um dos trechos mais valorizados da cidade (com direito a 8.000 metros quadrados de área construída) é a empresa de Accioly, em sociedade com DC Set, Opy e Pepira, integrantes do Consórcio Rio + Verde. O grupo se comprometeu a investir R$ 85 milhões numa revitalização que inclui estacionamento para 200 carros, instalação de cerca de 30 restaurantes e um mercado moderninho com 16 lojas gastronômicas, que segundo Accioly, “vai deixar no chinelo” o “ultracool” Mercado da Ribeira, em Lisboa.
Instalações de artistas como Raul Mourão e Vik Muniz enfeitarão os jardins, como se vê no tablet que Accioly mostra, com narração efusiva em tempo real: “Olha! Olha a elegância dessa cabine de segurança. Não é elegantérrima?”, anima-se o empresário, que estudou em um colégio público de Ipanema, não se formou, não fala inglês, mas parece ter total consciência de que divulgar essas informações pega bem, o valoriza. Estamos diante de um “self made man”. “Minha sabedoria vem da vida”, afirma.
Apesar de contar com o apoio de boa parte da população (as associações de moradores de Ipanema e do Leblon estão com ele e não abrem), o projeto encontra resistências. Se é unânime entre os cariocas a necessidade de melhorias urgentes no parque, o mesmo não se diz de detalhes da concessão e da duração do contrato.
“Parece lindo no papel, mas na realidade é uma ilusão”, diz Karim Morton, presidente da Associação de Moradores e Defensores do Jardim de Alah. “Onde já se viu pegar um parque e transformar num polo comercial? Falam em inclusão social… Imagina o cara pobre da Cruzada [Cruzada São Sebastião, conjunto habitacional com mais de 7000 moradores de baixa renda, de frente para o parque] indo fazer compra neste mercado chique? Só pode ser piada”.
Os atores Julia Lemmertz e Mateus Solano também não estão gostando nem um pouco dessa história e foram às redes protestar. “Infelizmente essa área verde foi posta à venda pela prefeitura”, reclama ele. Parar a atriz, “fica parecendo que é tudo ou nada; ou a concessão por 35 anos ou o completo abandono de uma área histórica; e não é assim. A prefeitura tem que fazer a parte dela”, indigna-se.
Entre uma garfada e outra num souflê de queijo de cabra, Accioly –que já foi tachado de deslumbrado por fazer sua festa de 40 anos na Ilha Fiscal (sim, aquela do último baile do Império) na qual gastou R$ 600 mil, e também por se exibir ao lado de ex-namoradas famosas como Adriane Galisteu (“Quem não ia querer sair na capa da Caras do lado de uma mulher como ela?”)–, diz que não está nem aí para as críticas.
“Essas pessoas que estão chiando só usam o Jardim de Alah para levar o cachorro para fazer cocô”, ironiza, já acrescentando, com a megalomania tradicional, que o lugar vai abrigar “o melhor” parque para cães do Brasil. “Vai ser tipo uma Disney dos cachorros”.
Por falar em Disney, foi para lá que ele embarcou na última terça (5). O motivo da viagem é o aniversário da filha mais nova, Maria Carolina, 12. “Todo ano a gente vai, e nem no meio daquilo tudo ele consegue parar de trabalhar”, diz Renata Padilha, mulher do empresário há 18 anos. “Ainda bem que o wi-fi de lá está bombando.”
Renata e Alexandre tinham seis meses de namoro quando ele descobriu que era o pai de Antônio, filho da socialite Astrid Monteiro de Carvalho. O menino, até então, seria fruto da união de Astridinha, como é chamada pelos mais próximos, com o empresário paulistano Marcos Campos.
O que levantou suspeitas sobre a paternidade foi uma foto dela com o bebê de pouco mais de um ano, publicada numa revista de celebridades. Accioly lembra de seu telefone tocar e, do outro lado da linha, Alvaro Garnero, primo de Astrid e conhecedor do affair entre os dois, comentar: “Se liga que tá um alvoroço na família, todo mundo está dizendo que o moleque é a sua cara”.
Algumas semanas depois, Astrid convida Accioly para almoçar. “Pensei: Ih, ferrou”, lembra o empresário. Os dois se encontraram no D’Amici, restaurante italiano no Leme, e ele se lembra “como se fosse hoje” do que ela lhe disse assim que sentaram-se à mesa. “Vamos direto ao ponto. O Antônio é seu filho.” Em seguida, mostrou retratos do menino.
Accioly ficou impressionado. “Pensei: É muito meu filho” O básico exame de DNA para comprovar o que para os dois estava óbvio tinha sido agendado por Astrid para logo depois do cafezinho no D’Amici. Ele não quis. “Pedi um tempo, era muita informação para processar”. O teste foi feito depois e confirmou o que toda a família Monteiro de Carvalho, sobrenome dos mais tradicionais do Rio, já sabia.
O filho de Accioly e Astridinha entrou para a história da grã-finagem carioca. E Renata? Onde estava Renata? “Ele me contou do bebê e eu falei: ‘Parabéns, mas tchau. Não vou entrar nessa'”, lembra. Demorou, mas ela cedeu aos apelos de “volta para mim” de Accioly. “Ele foi persistente, correu muito atrás”, diz, com uma pontinha de orgulho. Hoje Renata se considera também mãe de Antônio. “Ele é um príncipe e acho até que se parece fisicamente comigo”, afirma.
Assim que voltar da Disney com Renata e Maria Carolina (Antônio desta vez não quis ir), Alexandre vai retomar seu outro grande projeto para a cidade –e não menos polêmico que o do Jardim de Alah. Fundado em 1938, o tradicionalíssimo cinema Roxy, uma preciosidade art déco em Copacabana, foi alugado por 20 anos por ele e por Dody Sirena (também seu sócio no parque).
O lugar vai virar uma casa noturna para turistas –um “dinner show” com ingressos a R$ 480, que incluem jantar completo e um espetáculo musical na sequência. As vendas das entradas começam em outubro e a abertura está prevista para março de 2024.
O palco, na altura do chão, “como em Hollywood”, terá iluminação especial e telão de LED com 30 metros de largura e oito de altura. As imagens que ele exibe no iPad mostram desfiles de samba, da festa do boi bumbá e de outras manifestações culturais do país.
Como foi sócio de Sargentelli (o das mulatas, quando ainda se considerava OK usar este termo) na casa de shows Oba Oba, na Lagoa, logo vem à mente possíveis apresentações de brasileiras estereotipadas, literalmente sambando para gringo ver. “Não, gente, pelo amor de Deus. A direção musical é do Pretinho da Serrinha”, diz, citando o músico como um selo de certificação ISO 9000 (o que, dado o seu currículo, de certa forma ele é.)
Agora imagine a reação dos moradores de Copacabana e dos quase 45 mil velhinhos do bairro (segundo o último censo do IBGE) ao saber que perderam de vez o último cinema de rua da região? E mais: que ele vai virar uma casa de shows para turistas? Polêmica à vista.
Accioly ri, balança a pulseira de pedrinhas de âmbar (contra energia negativa) e garante que o novo Roxy “é para turista, mas é claro que o carioca também vai. Aposto que vão famílias inteiras”.
“Muito confiante esse cara”, rebate o advogado Guilherme Corrêa, 51, um dos integrantes do movimento “Salve o Roxy”, grupo que tentou, em vão, mantê-lo funcionando como cinema. “Qual carioca, qual turista brasileiro, vai gastar R$ 1.500 para ir com a família ver um show de bundalelê?”, pergunta, indignado.
Eduardo Paes, por sua vez, é um entusiasta das ideias de Accioly, a quem considera “um carioca até o último fio de cabelo, ousado e apaixonado pelo Rio”. Em mensagem enviada por WhatsApp na madrugada, às 3h24, o insone prefeito diz ainda que a cidade “deve muito” ao empresário.
Tocar dois grandes e controversos projetos ao mesmo tempo, somados à administração da casa de shows QualiStage (o antigo Metropolitan), ao evento Noites Cariocas, no Morro da Urca, ao restaurante Casa Tua, onde foi concedida esta entrevista, e às 75 academias Body Tech espalhadas pela cidade e pelo Brasil foram uma forma que Accioly diz ter encontrado para sentir-se vivo aos 61 anos, depois de “duas porradas sérias” que levou.
A primeira delas, em 2017, quando foi citado na delação de Henrique Valladares, ex-diretor da Odebrecht, na Operação Lava Jato. Ele o acusou de ser o operador financeiro de um esquema de desvio de dinheiro de Aécio Neves que envolvia uma conta de Accioly em Singapura.
“Fiquei arrasado, o cara que falou de Singapura viajou”, diz. “Talvez ele quisesse atingir o Aécio. Fui injustamente bombardeado”. Em novembro de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) arquivou a denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Aécio e também contra Accioly. “Foi um êxtase, era muita injustiça”, lembra Renata, a mulher que o empresário diz ser “uma santa” e “a paixão” da sua vida.
Do segundo baque Accioly diz estar se recuperando. Na pandemia, fechou 103 academias. “Perdi dois terços dos meus clientes e parei de pagar impostos e locação, claro. Só não parei de pagar os funcionários”, afirma ele, que viu também uma crise de imagem no negócio com o episódio de agressão do empresário pernambucano Thiago Brennand a uma aluna dentro da BT do shopping Iguatemi.
Nesse ínterim, entre a Lava Jato e a crise na Body Tech, Accioly também se desentendeu com Gero Fasano, de quem foi sócio em quatro restaurantes na cidade, com 40% de participação. A relação durou 18 anos. “Eu que trouxe a marca Fasano para o Rio, mas tivemos desentendimentos e decidimos terminar a parceria”, resume. Procurado pela Folha, Gero preferiu não se manifestar.