SÃO CAETANO DO SUL, SP (FOLHAPRESS) – Nos últimos quatro anos, Ariel de Carvalho Rodrigues, 72, passou algumas vezes em frente à fábrica da Chocolates Pan, em São Caetano do Sul, no ABC paulista. Tentou ficar indiferente, mas sentiu amargura.
“Era um lugar bom de trabalhar. Sei que muitos funcionários gostavam de estar ali. Os produtos tinham muita saída. Como foi acontecer algo assim? Fico triste de ver tudo aquilo abandonado”, afirma.
Ele se lembra do último dia como empregado da empresa: 20 de dezembro de 2019. Também não esquece que ainda não recebeu nenhum centavo de sua rescisão contratual.
“Habilitamos um número significativo de ex-colaboradores como credores. Temos cerca de 60 pessoas para receber R$ 2 milhões no total”, diz o advogado Roberval Pedrosa, diretor jurídico do Sindicato da Alimentação de São Paulo.
Fundada em 1935, a Pan fez sucesso a partir de 1941 com os cigarrinhos de chocolate. A imagem na embalagem levou ao estrelato o garoto Paulo Pompeia, de 9 anos.
Ele depois seria ator, diretor e presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos e Diversões de São Paulo. Pompeia morreu em 2021.
Com problemas financeiros que se arrastaram pela última década e se tornaram mais sérios com a pandemia da Covid-19, a empresa entrou em recuperação judicial em março de 2021. Pediu falência em fevereiro deste ano.
O passivo é de R$ 260 milhões. Deste total, R$ 12,3 milhões são de dívidas trabalhistas. O número deve crescer porque há processos em que os créditos ainda não foram habilitados.
“Há muito tempo que eles já não recolhiam INSS ou FGTS. Atrasavam salários, não pagavam acordos feitos na Justiça do Trabalho. Era um caos. Tentamos diálogo, fizemos reuniões, mas a diretoria apenas respondia que não havia o que fazer. A receita era menor do que o valor a pagar”, completa Pedrosa.
O letreiro com o logo da companhia, na esquina das ruas Maranhão e Nossa Senhora de Fátima, no bairro de Santa Paula, está intacto, como nos anos em que a fábrica estava em produção.
Moradores de prédios de classe média alta da região se lembram do cheiro de chocolate que invadia apartamentos até nos andares mais altos.
Eles citam um passado em que crianças saíam das escolas próximas e faziam plantão em frente ao portão da Pan para ganhar de graça cigarrinhos de chocolates quebrados, que não podiam ser vendidos, mas eram gostosos do mesmo jeito.
O adereço no muro é só o que resta intacto. Os vidros das janelas não existem mais.
Pelas frestas se pode ver galpão abandonado, com duas toalhas de banho penduradas em varal improvisado no local onde antes saíam os doces. Do lado de fora, as paredes ainda têm pinturas com referências à plantação de cacau.
“A gente sabia das dificuldades. Mas achávamos que eram coisas inerentes a uma empresa brasileira. Foi surpresa quando vi o que aconteceu”, lembra Dimas Marques da Silva, 61, que trabalhou no setor comercial por 13 anos até aceitar um acordo intermediado pelo sindicato, em 2019. Foi embora com a promessa de receber o que lhe era devido em parcelas. Ainda faltam algumas.
A Pan chegou a tentar realocar alguns funcionários em supermercados e lojas de atacado. Não funcionou. A empresa pagava salários que as parceiras não chegavam perto de igualar.
“Fiquei até 2020. Nunca mais consegui me recolocar no mercado e hoje em dia faço bicos. Já estava ruim nos meus últimos meses, mas fiquei muito chateado quando saí. Jogaram na minha cara a rescisão e mandaram procurar emprego. Eu sou um dos que não receberam nada. Fiquei 22 anos lá e me dediquei esse tempo todo. Mas o que se pode fazer?”, lamenta o vendedor João Batista Brasil, 67.
Quando decretou a falência, a Pan estava com 52 funcionários. Entre as décadas de 1960 e 1980, chegou a ter mais de 200.
Mesmo já em crise, entre 2018 e 2019, contratou consultoria para dar uma guinada na produção. A ideia passou a ser criar lojas próprias. Foi feito projeto para abrir 600, segundo ex-colaboradores ouvidos pela Folha. Deu tudo errado. Não sobrou nem a principal, que funcionava na sede.
Os bens da Pan foram levados a leilão. Na primeira etapa, não houve lances para nenhum dos sete lotes, que podem Até domingo (3), somente um deles havia recebido propostas, de oito lances. São dois veículos: um Volkswagen Gol 1000, ano 1995, avaliado em R$ 2.500, e um caminhão Mercedes-Benz 709, do mesmo ano, de R$ 45 mil. O lance inicial era de R$ 23.750 e está atualmente em R$ 34.250.
Na lista do leilão, estão maquinários, móveis e artigos inusitados, como imagem de Nossa Senhora Aparecida e coleção de revistas Playboy. Há ainda um lote de sucata metálica, avaliado em R$ 10 mil, com lance atual de R$ 5.000.
A esperança dos ex-funcionários (e dos demais credores) está no terreno de 10,4 mil metros quadrados, com área construída de 13,6 mil metros quadrados onde está a fábrica. Ele pode ser adquirido por R$ 52,6 milhões.
“Os outros equipamentos não têm valor de mercado. O terreno, sim. Aquilo é sagrado. É questão de tempo para alguém arrematar”, diz Pedrosa.