BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente Lula (PT) abriu na manhã desta quinta-feira (7), em Brasília, as celebrações do primeiro Dia da Independência de seu terceiro mandato com recados institucionais e políticos e um “climão” dentro do governo depois da reforma ministerial anunciada no dia anterior.
O petista esteve acompanhado na tribuna de honra dos chefes de outros Poderes a presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Rosa Weber, e o presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), após uma relação institucional tumultuada do Executivo sob Jair Bolsonaro (PL).
O evento também teve a figura do Zé Gotinha, mascote das campanhas de vacinação, em mais um contraponto ao ex-presidente, e repercussões sobre os sinais de insatisfação de aliados de Lula com as trocas ministeriais para ampliar os espaços do centrão no governo.
Após Ana Moser, demitida do Esporte para ceder a vaga a André Fufuca (PP), manifestar “tristeza e consternação” com a troca, ministros de Lula tentaram atenuar a insatisfação e minimizaram a nota oficial do governo no dia anterior que não chegou nem a agradecê-la, como é comum quando há saída de aliados.
Também estiveram presentes no 7/9 o vice Geraldo Alckmin e Márcio França (PSB), um dos atingidos pela reforma ministerial. Ele deixou a pasta de Portos e Aeroportos, cedida para o Republicanos, para chefiar o novo Ministério das Micro e Pequenas Empresas.
A troca foi precedida de irritação de França, que, no final da noite, disse em redes sociais que Lula trazia o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o partido dele para apoiar o governo.
Tarcísio é aliado e ex-ministro de Bolsonaro, principal rival do petista, e a mensagem de França foi interpretada por aliados como uma ironia.
Durante a cerimônia, França não saiu do lugar e ficou isolado na tribuna, enquanto ministros e demais autoridades se aproximaram de Lula em diferentes momentos.
No evento em Brasília, Lula passou a tropa em revista e na sequência seguiu de carro até a tribuna de honra.
Ao longo do desfile, as mulheres que integram o governo quebraram o protocolo e se posicionaram ao lado de Lula durante a cerimônia.
A primeira-dama Rosângela Silva, a Janja, a mulher do vice-presidente, Lu Alckmin, Rosa Weber e as ministras Anielle Franco (Igualdade Racial), Nisia Trindade (Saúde), Simone Tebet (Planejamento), Joênia Wapichana (Povos Indígenas) se juntaram ao chefe do Executivo na primeira fileira.
Na esteira da reforma ministerial, o presidente se levantou de seu lugar na tribuna e, em frente ao palanque de autoridades, abraçou o ministro Wellington Dias (Desenvolvimento Social), preservado depois de ter o posto especulado nas mudanças. Também estavam junto deles Paulo Pimenta (Secom) e Rui Costa (Casa Civil).
O desfile foi aguardado com expectativa, sendo uma das apostas do governo para transmitir a imagem de pacificação e união do país, após os ataques golpistas de 8 de janeiro e o clima de desconfiança com as Forças Armadas.
Diferentemente de anos anteriores, o evento não foi marcado por manifestações políticas por parte do público. Uma parcela das pessoas usava roupas de cor vermelha ou com algum símbolo em referência ao presidente Lula, mas esse não era o perfil predominante de quem compareceu ao desfile.
Nas arquibancadas, o público usou adereços como bandeiras e boné nas cores verde e amarela, mas parte dos itens foi distribuída pela organização.
O mascote Zé Gotinha arrancou aplausos do público em seu desfile sobre o caminhão do Corpo de Bombeiros e teve seu nome gritado pelas crianças quando sua imagem apareceu nos telões.
Com arquibancadas lotadas, com menor presença das cores verde e amarela em relação às cerimônias com Bolsonaro, parte do público foi barrado e acompanhou o desfile por telões do lado de fora da área restrita. Os seguranças tentavam conter o avanço do público na abertura das barreiras.
Na Esplanada, famílias erguiam seus filhos sobre os tapumes para que pudessem acompanhar o evento à distância. A dona de casa Karine Lemos, 44, trouxe a filha de 4 anos para seu primeiro desfile e criticou o esquema de segurança do local.
“É triste esse monte de grades, claro que tem a questão de segurança, mas não é por aí. Precisa confiar nas pessoas, confiar no âmago da população. Muita grade parece que a gente é animal. Ainda mais no 7 de setembro, quando devia haver confiança no brasileiro”, disse.
A gestão Lula também busca ressignificar a data histórica, após o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tê-la usado ao longo de seu mandato como um sinal de força e proximidade com as Forças Armadas, além de aproveitar a grande concentração de apoiadores para discursos com teses golpistas.
Como a Folha de S.Paulo antecipou, o slogan da cerimônia é “democracia, soberania e união”. O governo do petista também investe para recuperar o verde e amarelo como símbolo nacional de todo o país, após ser longamente usado e associado com os bolsonaristas.
Em seu discurso em cadeia de rádio e televisão, na noite anterior ao 7 de Setembro, Lula disse que em oito meses seu governo recolocou o Brasil no rumo da democracia. E também fez uma sinalização para tentar romper a polarização política.
“Por isso, amanhã não será um dia nem de ódio, nem de medo, e sim de união. O dia de lembrarmos que o Brasil é um só. Que sonhamos os mesmos sonhos”, afirmou o presidente.
“Que podemos ter sotaques diferentes, torcer para times diferentes, seguir religiões diferentes, ter preferência por este ou por aquele candidato, mas que somos uma mesma grande nação, um único e extraordinário povo”, completou.
Outro objetivo dos organizadores é associar o conceito de democracia com as Forças Armadas, que se viram alvo de críticas, suspeitas e investigações após a invasão do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto no dia 8 de janeiro.
Além dos desfiles, os militares realizam uma exposição no gramado central da Esplanada dos Ministérios, que seguirá até o domingo (10), com veículos militares de combate e com a exibição de ações das três Forças. As três forças também pretendem exibir as suas ações em outras frentes, como na preservação da Amazônia e no auxílio a outras comunidades, como os indígenas.
Essas ações são também mostradas nos desfiles, que nesse ano serão divididas em quatro eixos diferentes de atuação dos militares. O primeiro deles será “paz e soberania”, com a participação de militares que participam de operações de paz no exterior e associações ligadas à memória da Força Expedicionária Brasileira, que atuou na 2ª Guerra Mundial.
O segundo eixo, “ciência e tecnologia”, terá militares da área de engenharia das três forças, ligadas a instituições como o IME, ITA e engenheiros militares da Marinha.
Os outros dois eixos serão usados para exaltar o trabalho nas campanhas de vacinação e também na defesa da Amazônia. Nesse último, participarão soldados de origem indígena, que servem em São Gabriel da Cachoeira (AM). No total, 2 mil militares participarão do desfile em Brasília.
Ao final, ainda está prevista a tradicional “pirâmide humana” dos militares do Exército e uma apresentação da Esquadrilha da Fumaça.
Lula tem dito que o 7 de Setembro teria um objetivo de incluir toda a sociedade nas celebrações, que se tornaram nos últimos anos algo exclusivo das Forças Armadas.
O chefe do Executivo disse, na terça-feira (5), que os militares se apoderaram das festividades do Dia da Independência no Brasil, ao longo da história, em particular após as duas décadas da ditadura militar no país (1964-1985).
“Todo o país do mundo tem na festa da independência uma grande festa. O que aconteceu no Brasil é que, como nós tivemos por 23 anos [21, na verdade] um regime autoritário, a verdade é que os militares se apoderaram do 7 de Setembro. Deixou de ser uma coisa da sociedade como um todo”, afirmou o presidente.
“O que nós estamos querendo fazer agora, com a participação do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, é voltar a fazer um 7 de Setembro de todos. O 7 de Setembro é do militar, do professor, do médico, do dentista, do advogado, do vendedor de cachorro-quente, do pequeno e médio empreendedor individual”, completou.
Autoridades civis do governo Lula minimizaram a possibilidade de ações antidemocráticas durante o desfile de 7 de Setembro. No entanto, manifestavam preocupação nos bastidores, dada a invasão da sede dos Três Poderes meses antes.
A Polícia Militar do Distrito Federal não divulgou o efetivo que vai participar da segurança do evento, mas garantiu que será maior que o 7 de Setembro do ano passado e que a posse de Lula, em 1º de janeiro. O ministro Flávio Dino (Justiça) também autorizou o emprego da Força Nacional.
Além disso, a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) informou que iria atuar às vésperas e durante os eventos do 7 de Setembro deste ano para identificar eventuais ameaças que possam colocar em risco autoridades presentes no desfile e demais participantes.
Para isso, a agência vai acionar uma central de monitoramento para reunir informações e também repassá-las para outros órgãos de segurança.
Poucas horas após a cerimônia, no início da tarde, Lula embarca para a Índia, para participar da reunião de cúpula do G20.