SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A maior adesão de eleitores lulistas do que bolsonaristas à vacinação contra Covid ocorreu não somente nas primeiras etapas da campanha de imunização, mas também nas fases de reforço.

A conclusão é de uma pesquisa desenvolvida pelo SoU_Ciência (Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência), da Unifesp (Universidade de Federal de São Paulo) junto com o Instituto Ideia (antigo Ideia Big Data).

O levantamento foi feito entre os dias 5 e 10 de julho, via telefone celular, com 1.295 entrevistados, de todas as regiões do país, com 18 anos ou mais. A margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos.

Em relação a todos os entrevistados, 38,6% disseram ter votado em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e 36,7%, em Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno da última eleição. Outros 15,8% declararam voto nulo ou branco e 9% disseram não saber ou não quiseram responder.

Segundo a pesquisa, 28% dos lulistas afirmam ter recebido até a quinta dose (bivalente) da Covid, contra 10,7% dos bolsonaristas.

Entre os apoiadores de Lula, 2,2% dizem que não tomaram nenhuma dose e 2,8%, só a primeira. Já entre os eleitores de Bolsonaro, 6,6% afirmam não ter se vacinado e 9% receberam só a primeira (sem completar o esquema vacinal primário).

Quanto à terceira dose, 32,7% dos apoiadores de Bolsonaro afirmaram ter recebido, contra 28,9% dos eleitores de Lula.

“Muitos dos respondentes que afirmaram ter votado no Bolsonaro tomaram até a terceira dose. Já em 2022, por outro lado, o discurso deles foi voltado mais para atacar a vacinação infantil e os demais reforços, e conseguiram”, afirma Pedro Arantes, professor da Unifesp e um dos coordenadores do estudo do SoU_Ciência.

Para ele, houve uma politização da vacina durante a pandemia que fez com que muitos seguidores de Bolsonaro deixassem de confiar nos imunizantes. “Você vê pelo padrão de resposta que os eleitores do Lula são muito mais favoráveis à vacinação do que os do Bolsonaro. Mas no ano passado houve também uma queda da vacinação em relação às doses de reforço, o que pode significar que há também um espaço para melhorar a comunicação da importância de se vacinar no público eleitor do atual governo”, explica.

Os apoiadores do petista também se disseram mais favoráveis à campanha de vacinação infantil contra Covid (89,6% contra 49% dos bolsonaristas), bem como à adesão de campanhas de imunização contra sarampo e poliomielite (92% e 83,6%, respectivamente).

Em geral, 75,4% dos eleitores de Lula afirmaram confiar sempre nas vacinas, contra 38,4% dos bolsonaristas. A influência de grupos de desinformação sobre vacinas afetou principalmente o eleitorado de Bolsonaro: 13% deles disseram que habitualmente se vacinavam, mas deixaram de fazê-lo com a vacina contra Covid, contra 4% dos eleitores de Lula.

Soraya Smaili, coordenadora do SoU_Ciência, e professora titular de farmacologia na Unifesp, defende que a recuperação dessa parcela da população que está hesitante seja feita com uma grande cooperação conjunta entre o governo federal, por meio do Ministério da Saúde, secretarias estaduais e municipais, cientistas e sociedade.

“Precisamos fazer um trabalho, primeiro, de informação, mas não só, é preciso uma ação coordenada com os estados e municípios. Nós estamos em contato com a ministra [Nísia Trindade, da Saúde], mas precisamos construir essa rede, porque a rede de desinformação existe e é poderosa”, afirma.

De acordo com dados da pasta da Saúde disponíveis até 3 de setembro, foram aplicadas 28.380.064 doses da vacina bivalente, com uma cobertura de 15,9% da população com mais de 18 anos.

Na pesquisa, 13% dos respondentes que declararam voto em Bolsonaro e 24% dos petistas disseram que não tomaram o esquema vacina completo por esquecimento. Já 22% dos apoiadores de Bolsonaro e 15% dos eleitores de Lula acham que já tomaram “doses suficientes”.

“É claro que com a redução da mortalidade e da gravidade da doença, que ocorreu muito por causa do efeito da vacinação, as pessoas relaxaram. Você vê um número de pessoas que acreditam que já tomaram doses suficientes, por isso é preciso uma campanha forte voltada para esse público”, diz Smaili.

RELIGIÃO

Outro dado encontrado na pesquisa é que os católicos tomaram mais doses da vacina da Covid em relação aos evangélicos: 24% dos católicos disseram ter procurado a vacinação até a última dose, contra 9,8% dos evangélicos.

Entre os respondentes que não tomaram nenhuma dose da vacina (2,2% dos católicos contra 6,4% dos evangélicos), chama a atenção os que disseram “não confiar nas vacinas”, afirmação defendida por 53,2% dos evangélicos e por 9,1% dos católicos.

“Os evangélicos estavam no olho do furacão e foram alvo preferencial do populismo de Bolsonaro. Aderiram ao discurso negacionista do ex-presidente. Mas é importante destacar que, passada a pandemia e o furacão de desinformação, eles estão interessados em apoiar o SUS, a ciência, uma Comissão da Verdade para julgar os crimes da pandemia e procurando informação confiável”, afirma Arantes.

No levantamento, 39,1% dos participantes se disseram católicos e 29%, evangélicos. Outras religiões ou nenhuma religião representavam 32% dos participantes.

ESCOLARIDADE E RENDA

Em relação à escolaridade, a pesquisa encontrou também uma maior discrepância entre aqueles que afirmaram ter completado o ensino fundamental em relação à adesão à vacinação, quando comparados aos que têm ensino superior completo: 13,4% buscaram a dose bivalente contra 24,1%, respectivamente.

A renda também tem um papel importante na adesão à vacinação: 63% dos que recebem até um salário mínimo afirmaram que sempre aderiram às campanhas, índice que salta para 84% entre os que ganham de 3 a 5 salários mínimos e para 77% entre os que recebem mais de cinco salários mínimos.

Quando indagados sobre a adesão à vacinação como um todo, não apenas à Covid, 56,5% dos participantes apenas com ensino fundamental disseram aderir sempre, contra 80,6% daqueles com ensino superior. Já cerca de 15% dos participantes com ensino fundamental responderam ter desistido da vacinação durante a pandemia, índice que cai para 3% entre os entrevistados com ensino superior.

“Quando você vê o recorte de renda e escolaridade, os de maior renda e sobretudo maior escolaridade aderiram muito mais à vacinação. Então é preciso mapear isso para que o governo atual possa investir em campanhas de divulgação e de vacinação”, explica Arantes.

Um dado observado é que parte da população menos escolarizada tende a rejeitar menos a afirmação de que as “vacinas são experimentais e sem eficácia comprovada”: reprovada por 27,4% dos respondentes com ensino fundamental, enquanto a taxa sobe para 47,5% entre aqueles com ensino superior.

“Tivemos na pandemia uma recuperação da confiança na ciência, nas universidades, mas em 2022 nós perdemos parte desse espaço para grupos que tentaram minar a confiança nas vacinas, explorando principalmente os medos em relação aos possíveis efeitos colaterais, que sabemos que são leves”, afirma Smaili. “Estamos no meio da batalha e precisamos agir para não deixar que esse lado da desinformação vença.”