MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – O Amazonas registrou em apenas cinco dias de setembro quase metade (47,7%) do total de focos de calor de todo o mês de agosto, de acordo com dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O maior estado em extensão territorial, considerado o mais preservado da Amazônia, é responsável por 32,3% (2.616) de todos os registros de incêndio no país neste início de mês.

A aceleração nos focos de calor ocorre num período de seca dos rios e altas temperaturas e preocupa secretários municipais de meio ambiente ouvidos pela Folha, que relatam falta de estrutura e apoio adequados dos governos estadual e federal para lidar com o risco de o problema agravar.

No ano passado, o estado teve o seu pior setembro (8.659 focos) na série histórica de registros de queimadas do Inpe, iniciada em 1998. O estado avançou no ranking dos focos de calor durante o governo Bolsonaro (PL) e no primeiro mandato do bolsonarista Wilson Lima (União Brasil).

A fumaça gerada pelos incêndios atingiu nos últimos dias as áreas rurais e urbanas de cidades da região metropolitana de Manaus, do arco do desmatamento no sul do estado, do entorno da BR-319 e do alto e médio Solimões.

A água para combate ao fogo vem dos próprios rios e lagos e, em geral, é carregada em carros-pipas ou caminhões improvisados com tanques, segundo a secretária de Meio Ambiente de Maués (AM), Jane Crespo, que coordena o Fórum de Secretários de Meio Ambiente do Estado do Amazonas. A preocupação é que a vazante prejudique o combate aos incêndios.

“Com a vazante, vamos ficando sem água. Como vamos apagar fogo? Precisamos agir o quanto antes, mas não temos condições de fazer só. Precisamos de apoio para que o nosso destino não seja igual ao do Pantanal, em Mato Grosso”, diz Crespo.

A secretária conta que os registros de queimadas aumentaram a partir de julho. “Desde julho, a gente está nessa agonia. Aqui em Maués e em outras cidades, até terras indígenas estão com registros de incêndios. Os municípios não têm corpo de bombeiros, poucos contam com equipes do Ibama no Amazonas”, afirma.

“Para brigadistas, temos todos os anos um acordo com o governo do estado: os municípios entram com alimentação e alojamento e o governo com a mão de obra. Mas este ano não teve recurso e até agora estamos sem respostas.”

Procurados, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amazonas e o Ibama não responderam aos pedidos para comentar as ações contra incêndios até a conclusão da reportagem.

Há cerca de 20 dias, o governo do Amazonas anunciou corte de 25% nos gastos do estado e justificou o ato como previsão de baixa arrecadação nos próximos meses.

Na última semana, inclusive na terça (5), o Dia da Amazônia, a fumaça e o calor pressionaram quem vive em Manaus, que concentra mais da metade da população do estado. Da cidade é possível ver focos de incêndios nos municípios do entorno e fumaça de manhã e de noite.

O secretário municipal de Meio Ambiente de São Paulo de Olivença, Apolônio Müller, estima que, se a região dele, o oeste do Amazonas, fosse tão vulnerável a incêndios quanto o sul do estado, a crise teria proporções graves.

“O Solimões está seco. Aqui e em Benjamin Constant há locais isolados. Se tivesse o mesmo foco de incêndio daí [sul do Amazonas e Manaus], era mais complicado ainda porque secam rios, igarapés, lagos e a distância até a água fica maior”, diz.

Ele conta que, em Codajás, no Médio Solimões, uma lancha de transporte de passageiros se acidentou em razão da baixa visibilidade no rio provocada pela fumaça. Não houve registro de feridos.

O receio de que a visibilidade criasse riscos ao transporte escolar nas áreas rurais, feito por lanchas, e o cuidado com a saúde das crianças provocaram a suspensão das aulas no município de Careiro Castanho, na região metropolitana de Manaus, e um dos que estão no entorno da BR-319.

Segundo o secretário municipal de Meio Ambiente de Careiro Castanho, Ronaldo de Souza Santos, casas foram atingidas pelo fogo na zona rural e metade dos bens foi salvo. Ele deu a entrevista em deslocamento para mais um dos pontos de incêndio.

Lindolfo Mendonça, técnico da Defesa Civil do munícipio, relata mais de 400 focos de incêndio nas últimas semanas e parte deles ao longo da BR-319. Ele conta que o fogo atinge também animais silvestres, que são encontrados queimados e mortos como tatus, cobras e pássaros com seus ninhos.

“O Careiro hoje está em chamas. Todos os distritos atingidos por essa queimada. Estamos pedindo socorro do estado”, afirma.

Em Novo Aripuanã, no sul do Amazonas, o secretário de Meio Ambiente, Valdemir Pavão Filho, diz que é a primeira vez que a fumaça das queimadas invade a área urbana da cidade. Segundo o Inpe, o município amazonense é o segundo com maior foco de queimadas em setembro: foram 321 registros em seis dias.

“Em Novo Aripuanã, nunca tinha ocorrido de o céu ficar coberto de fumaça. Nós estamos combatendo os focos de incêndio no nosso município, mas as queimadas que nos atingem também vêm de longe. Somos próximos de Apuí, que tem muita queimada”, relata.

A fumaça também chegou à área urbana do município de Manacapuru, na região metropolitana de Manaus.

“Sexta-feira, dia 1°, a fumaça invadiu a cidade. Muita gente teve falta de ar e foi parar no hospital”, relata o secretário municipal de Saúde de Manacapuru, Marcelo Andrade de Albuquerque.

De acordo com ele, é mais fácil contornar focos de calor na área urbana devido à quantidade de pessoas para atuar. Na sua visão, a solução para o problema é aumentar o rigor com autuações e até prisões.

“É crime. Vamos ter que ser mais rigorosos para evitar mais incêndios. Tem ramal [de estrada] em que levamos três dias para conter o fogo”, diz.