SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quatrocentas e cinquenta sacas de carvão, duas carretas carregadas de materiais trafegando de Goiás até São Paulo e toneladas de referências acumuladas ao longo de 76 anos de uma vida que pode ser definida, não sem correr o risco de pecar por simplificação, em uma única palavra, inquietação.
Esse poderia ser o resumo da mostra “Garimpo: O Carvão e o Ouro”, do artista goiano Siron Franco, inaugurada na semana passada no espaço da biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, na Cidade Universitária, em São Paulo.
Só que a obra de Siron vai muito além de qualquer simplificação. Quando alguém lhe pergunta sobre seu processo de criação, por exemplo, desconversa e dá risada. Porque, na verdade, é óbvio que está criando 24 horas por dia, de olho nos grandes e pequenos movimentos de seu entorno, na cor das roupas de seu interlocutor e nos detalhes que escapariam a qualquer um, menos a ele.
“Como foi que você conseguiu enfiar a haste dos óculos na orelha?”, pergunta o artista nos primeiros minutos da conversa com a reportagem. Na verdade, a haste dourada e os brincos curvos pareciam, pensando bem, uma coisa só, mas, claro, não eram. Para Siron, passaram a ser. Nada o convenceria do contrário em sua realidade alternativa.
Das nuvens do céu da Cidade Universitária, enquanto orientava a instalação das grandes peças dessa mostra, que tem curadoria de Luiz Armando Bagolin e Fabricio Reiner, e aborda os contrastes e a destruição promovidos pelo garimpo em terras indígenas, Siron tirou uma enorme quantidade de fotos para algo que improvisadamente denominou “O Céu da Pátria neste Instante”.
Elas tanto poderão vir a parir mais obras de arte a serem disputadas pelos polos culturais de todo o mundo, ou ficar ali, hibernando no seu celular, à espera de uma explosão criativa em algum momento propício, ao lado de imagens de edredons amontoados ”não lembram cabeças de boi?”.
Ou de duas garotas que, em uma soneca após o almoço, entrelaçam seus cabelos criando uma imagem xifópaga, em outra série intitulada “Coisas que Nunca Vi”, que ainda não existe, mas, quem sabe um dia, venha a existir. Ou não.
Mais novo de 13 irmãos, Siron tem uma carreira de sucesso que inclui inúmeros prêmios, mostras nas mais importantes galerias do planeta e altas cifras pagas por seus quadros vendidos nos leilões internacionais, além de uma boa coleção de desafetos incomodados por seus rompantes militantes contra a injustiça e a violência.
Não é fácil ser e viver goiano e escancarar a crítica ao desmatamento, à matança indiscriminada, a ditaduras de todos os matizes e ao preconceito. Mas, no que define como sua “quarta adolescência”, ele se reserva o direito de cada vez menos abandonar seu canto.
“Acho muito divertido quando pessoas que me detestam se sentem obrigadas a vir a minhas exposições e me cumprimentar”, diz ele, jurando não gostar de vernissages, às quais afirma só comparecer por dever do ofício.
“Por mim, entregava a obra e ia embora, ela que fale por mim”, diz. Só que esse luxo, sabe-se, não está ao alcance de artista nenhum. Salamaleques são essenciais em um universo que vive da vaidade e do ego supervalorizados.
“Ego? Aprendi a pisar nele muito cedo”, continua o artista, ao dizer que é leonino com ascendente em áries ”aqui não damos vida fácil para ninguém”.
Pai de cinco filhos frutos de três casamentos, atualmente mora no próprio ateliê, um enorme galpão perto de Goiânia, onde passou a dormir aninhado dentro de uma barraca. “Estou adorando, finalmente descobri que sou minha melhor companhia”, diz, com mais risadas.
GARIMPO: O CARVÃO E O OURO
Quando Seg. a sáb., das 8h às 18h. Até 31 de outubro
Onde Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin – r. Cidade Universitária, 21, São Paulo
Artista Siron Franco