BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A proposta estudada pelo governo para criar alternativas ao atual modelo das operações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) demanda do presidente Lula (PT) esbarra em divergências entre os ministérios da Justiça e da Defesa.
Há discordâncias, por exemplo, sobre quem comandaria as operações de segurança pública e qual seria a atribuição de cada órgão, segundo militares e outros interlocutores que participam das discussões.
Também existe por parte dos militares um questionamento sobre de quem seria a competência para julgá-los caso fossem processados nessas operações.
A ideia em gestação no governo envolve a criação de uma operação de cooperação interagências, cujo objetivo seria regular as ações subsidiárias das Forças Armadas.
Aliados do ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), afirmam que o objetivo não é acabar com a GLO nem excluir os militares de ações de segurança pública. A ideia seria definir novas regras para o uso gradativo das Forças Armadas em situações de distúrbio social, em parceria com outros órgãos e corporações.
Na prática, a medida criaria um mecanismo pelo qual os militares poderiam ser acionados para ajudar em situações de crise, mas sem que fosse necessário decretar a GLO. Segundo integrantes do governo, a GLO gera desgaste com governadores, porque simboliza um afastamento deles do comando da segurança local. Nesse sentido, a criação dessa nova ferramenta atenderia também a uma demanda de chefes dos Executivos estaduais.
De acordo com integrantes do Ministério da Justiça, a proposta poderá prever que, quando os governos locais resolvam pedir ajuda aos militares, seja elaborado um plano envolvendo as diversas forças de segurança. Haveria uma coordenação e divisão de tarefas entre essas diferenças forças.
Para a Defesa e os militares, no entanto, o principal entrave nas discussões é sobre quem comandaria as operações interagências.
Sob as regras atuais, o Comando de Operações Terrestres é o responsável, no Exército, por criar normas e treinamentos para o emprego de militares nas operações de Garantia da Lei e da Ordem. Há ainda na carreira militar treinamentos para oficiais liderarem ações do tipo.
Nos casos em que outras Forças são chamadas a atuar, o Ministério da Defesa e o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas criam comandos conjuntos para a operação, sob a liderança de um oficial-general.
Generais sondados pelo ministro da Defesa, José Mucio Monteiro, afirmaram à Folha sob reserva que o Exército realizou uma série de aperfeiçoamentos em suas doutrinas e regras de engajamento nas operações de GLO desde a década de 1990.
Para eles, apesar do desgaste causado pelo entendimento de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de que as Forças Armadas poderiam dar um golpe com base na garantia da lei e da ordem, as operações estão bem consolidadas. Segundo esses militares, uma mudança poderia prejudicar um instrumento que já funciona para conter problemas graves na segurança pública.
Apesar de buscarem se defender das possíveis mudanças na GLO, generais dizem que as operações costumam ser pouco eficazes a longo prazo: resolvem a situação na segurança pública pontualmente, mas não solucionam o problema de forma definitiva.
“Ultimamente, acho que tem sido um acerto a gente não ter operações de GLO similares à operação do Alemão, similares às operações da Maré, porque elas produzem um efeito imediato, que é razoável, mas elas não são duráveis no tempo. Elas não conseguem modificar o status quo”, disse o comandante do Exército, general Tomás Paiva, em entrevista ao livro Forças Armadas na Segurança Pública, publicado pela FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Tomás ainda afirmou que “efetivamente” as operações de GLO não vão resolver os problemas. “Quem tem que resolver o problema é o Estado como um todo. O Estado tem que aportar recursos, aportar pessoas, conduzir políticas públicas para mudar aquele status quo que é o cerne de onde prolifera a insegurança pública”.
Com pensamento semelhante, o general Sergio Etchegoyen, ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), afirmou que as Forças Armadas são enviadas para operações de GLO e para repressão a crimes transfronteiriços por falta de estrutura de outras instituições de Estado.
“O único instrumento que a União tem no momento são as Forças Armadas. A Polícia Federal não tem estrutura para isso. E quando digo não tem estrutura, não é que não tenha competência. A Polícia Federal é muito boa. Ela não tem é estrutura”, disse no mesmo livro.
“Quem tem capacidade logística para durar três meses numa fronteira? Então vão ter que ir as Forças Armadas. Então essas faltas acabam criando distorções para dentro”, completou o ex-ministro.
A ordem de Lula para uma mudança na GLO foi dada diante da ofensiva de uma ala do PT para alterar a Constituição e, de forma mais incisiva, eliminar a garantia da lei e da ordem das responsabilidades estabelecidas às Forças Armadas no artigo 142.
O mesmo sentimento inspirou José Genoino (PT) na Constituinte e o deputado Carlos Zarattini (PT-SP) após a vitória de Lula sobre Bolsonaro: o papel das Forças Armadas na segurança interna do país.
O Ministério da Defesa do governo Lula foi contra a investida, e o presidente decidiu por uma solução salomônica. Ela envolve alterar as regras sobre a GLO sem mexer no artigo 142.
Pela proposta em estudo, as únicas alterações seriam feitas na Lei Complementar 97, de 1999, que regulamenta as competências das Forças Armadas, e em outras normas infralegais, como decretos e portarias.
A intenção é criar nos textos a possibilidade de as Forças Armadas cooperarem eventualmente em crises de segurança e ordem pública sem que seja necessário para isso a decretação de GLOs.
Apesar da estratégia de Lula, Zarattini não acha que a mudança em estudo seja suficiente.
“É preciso ampliar o debate e deixar claro o papel das Forças Armadas, por isso é imprescindível mexer no artigo 142 da Constituição. É hora de colocar fim nas operações de GLO e despolitizar as Forças Armadas impedindo a ocupação de cargos civis por militares de ativa”, disse o deputado pelas redes sociais, ao comentar a Proposta de Emenda à Constituição que deverá proibir que militares da ativa disputem eleições.