SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Empresas associadas à Anfavea (entidade que representa as montadoras de veículos) estão incomodadas com o crescimento das novas marcas chinesas no Brasil e exigem um plano de contenção. Uma das ideias em alta é a proposta que dificultará a importação de veículos, peças e maquinário.
O plano que deve ser apresentado ao governo se baseia na eficiência ambiental nas linhas de produção. O objetivo é limitar a entrada de manufaturados vindos de países que têm legislações ambientais mais permissivas que as normas brasileiras.
Dessa forma, a medida afetaria diretamente os veículos importados da China, mesmo que sejam 100% elétricos. Na visão de montadoras associadas à Anfavea, esses automóveis contam com incentivos tributários como a isenção do Imposto de Importação (alíquota de 35%), mas são fabricados em um país que exige menos investimentos na adequação de suas linhas de montagem à agenda ambiental.
Márcio de Lima Leite, presidente da Anfavea, diz que o tema tem sido discutido, mas ainda não entrou na fase de análise para definir como poderia ser aplicado.
“Acho que esse é um processo que naturalmente vai acontecer, mas ainda não está sendo tratado. Hoje há uma pressão muito grande para a descarbonização no processo produtivo, e o rigor está aumentando cada vez mais. A lógica é: por que esse rigor vale para o fabricante local e não para os que apenas colocam seus produtos no Brasil e que, de certa forma, estão tirando empregos do país?”, disse o executivo à reportagem.
Nesta semana, a Anfavea apresentou ao governo Lula os números atualizados de vendas e produção, mas também falou sobre a necessidade de definir como o novo PAC irá influenciar a indústria. Um dos pontos defendidos é que critérios ambientais sejam usados em licitações voltadas, por exemplo, para o fornecimento de maquinário para obras.
Esse ponto já contempla o plano que está sendo elaborado pelas montadoras. O objetivo é fazer com que empresas estrangeiras cujos países se submetem a regras ambientais mais brandas com cadeia de produção considerada “suja” percam pontos neste processo licitatório.
O projeto, contudo, remete ao que ocorreu em outubro de 2011, quando foi criada a sobretaxa de 30 pontos percentuais que incidiu diretamente na alíquota de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).
Na época, marcas sul-coreanas vinham se tornando competitivas. Havia ainda o temor de que as chinesas crescessem no mercado, já que a JAC Motors conseguia competir com preços atraentes embora pagasse a taxa de 35% do imposto de importação.
O cenário atual, contudo, é diferente. As novas montadoras vindas da China já têm linhas de montagem confirmadas no Brasil, atendendo justamente ao programa Rota 2030. O plano que sucedeu o Inovar-Auto concede benefícios tributários para incentivar a produção local.
Porém, para as concorrentes, há um diferencial competitivo que favorece aos importadores.
Enquanto não iniciam a fabricação nacional, marcas como GWM e BYD trazem carros eletrificados ao Brasil. Por contarem com essas tecnologias menos poluentes, esses veículos desembarcam isentos do imposto de importação. Da mesma forma que ocorreu no início da década passada, esses veículos chegam com preço competitivo.
Os hatches GWM Ora 03 e BYD Dolphin, por exemplo, custam R$ 150 mil no mercado nacional. São veículos 100% elétricos que disputam espaço com automóveis flex feitos no Brasil.
Na visão da Anfavea, há um problema também para o setor de exportações. De acordo com a entidade, automóveis e maquinário feitos no Brasil têm perdido espaço para os chineses na América Latina.
“Até 2021, o Brasil era o país que mais exportava para os países vizinhos. No ano passado, a China tomou a dianteira, com 21,2% de presença, ante 19,4% do Brasil. Precisamos urgentemente aumentar nossa competitividade para exportar, ou perderemos ainda mais terreno em nossos principais destinos, não só para a China, mas para outros países emergentes da Ásia, como Índia, Tailândia e Indonésia”, afirmou Leite, em nota.
O presidente da Anfavea disse ainda que é preciso retomar o Imposto de Importação de 35% para modelos elétricos e híbridos. Em 2023, segundo a associação, cerca de 30 mil unidades desses modelos já vieram da China para o Brasil neste ano.
Ricardo Bastos, que é diretor de relações de assuntos institucionais da GWM e presidente da ABVE (Associação Brasileira do Veículo Elétrico), diz que, quando a produção de veículos híbridos e elétricos tiver início no país, a importação será naturalmente reduzida.
Sobre mudanças no sistema de tributação, Bastos afirma que é necessário fazer uma avaliação mais profunda, que vá além do setor automotivo.
Questionado sobre a entrada de GWM e BYD na Anfavea, Márcio de Lima Leite explica que há alguns entraves.
“A Anfavea já iniciou conversas com GWM e BYD, mas considera que ainda não é o momento de se associarem. A associação defende a alíquota de 35% e o regime de cotas para importação.”
Ao falar em cotas, novamente o discurso feito pela entidade que representa as montadoras remete ao passado. Após a definição do programa Inovar-Auto, foi estipulada a importação de até 4.800 unidades sem a cobrança do IPI majorado no caso de a empresa aderir ao programa de incentivo à produção nacional.
Entretanto, uma das preocupações da Anfavea é não criar um projeto que pareça com o que foi estabelecido no governo Dilma Rousseff (PT). É por isso que o viés ambiental, que terá mais força na segunda fase do Rota 2030, é colocado como ponto principal das conversas.