BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Em meio ao impasse entre bancos e empresas de maquininhas na discussão sobre juros do rotativo, o deputado Alencar Santana (PT-SP) é taxativo: alterações no parcelamento de compras sem juros não estão em discussão.

Um dos vice-líderes do governo, o petista é relator do PL que trata do Desenrola Brasil, do programa de renegociação de dívidas, e do rotativo do cartão de crédito.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, o congressista explicou três mudanças feitas no texto, visando eliminar quaisquer dúvidas quanto ao conteúdo da matéria.

O relatório tem como base o prazo de 90 dias para que as próprias instituições do sistema financeiro definam um patamar de juros para o rotativo e para o crédito parcelado.

A proposta precisará ser homologada pelo CMN (Conselho Monetário Nacional). Se o processo por autorregulação não funcionar, será aplicável um teto que limita a dívida ao dobro do montante original.

Conforme texto de Santana, essa decisão de mercado caberá não apenas aos bancos emissores de cartões de crédito, mas também a fintechs e varejistas, que são emissores de cartões pré-pagos.

Ele também deixa explícito que o crédito parcelado é a modalidade que se aplica sobre o financiamento da dívida do rotativo, no qual o saldo em atraso é dividido ao longo das próximas faturas do cartão.

A ideia é dissociar essa linha de crédito do parcelamento de compras sem juros, ponto central no embate entre bancos e empresas de maquininhas.

“De nossa parte, não trataremos e não mexeremos nisso [compras parceladas pelo cartão] de forma alguma”, diz.

Outra mudança prevista estabelece que o CMN terá de revisar anualmente o limite da taxa de juros que será cobrada no rotativo do cartão de crédito.

Quanto ao conteúdo do Desenrola, ele defende a criação de um lote específico para contemplar os micro e pequenos empreendedores enquanto credores no leilão de descontos. O texto-base do projeto foi aprovado nesta terça-feira (5).

PERGUNTA – Como foi a construção do texto?

ALENCAR SANTANA – Foram apresentadas algumas emendas de plenário. Nós colocamos expressamente, além dos emissores de cartão de crédito, [referência a] instrumentos de pagamentos pós-pagos utilizados em arranjos abertos ou fechados, porque há grupos econômicos, as grandes varejistas, que têm a sua própria bandeira. Para deixar isso claro, estamos colocando que eles também são atingidos no limite dos juros.

Também estamos expressamente colocando [na redação] “parcelamento do saldo devedor das faturas”. Estamos mudando uma pequena palavra, mas que tem de dar uma certeza maior para o objetivo da lei.

Também [inserimos] que haja uma análise anual da taxa de juros, uma espécie de revisão para, eventualmente, o CMN estar a cada ano se posicionando sobre o limite dos juros em relação ao cartão de crédito.

P. – Essa revisão anual vai ser proposta pelas instituições e depois homologada de novo pelo CMN? Ou quem faz a revisão é o conselho?

AS – O próprio conselho vai ter essa obrigação. Em tese, ele já pode fazer [revisão], no tempo em que ele quiser, mas estamos dando a obrigação de que pelo menos tenha isso anualmente.

P. – Como fica o parcelamento de compras sem juros?

AS – Nós não estamos tratando [disso]. Tiveram alguns setores que se movimentaram por isso, se manifestaram publicamente, mas a gente entende que é uma conquista da sociedade, nada vai afetar. Aliás, garante até a sensação econômica de estabilidade. Acabar com isso pode afetar a economia como um todo de uma certa maneira.

P. – Os líderes da Câmara estão de acordo com isso?

AS – Todos que se manifestaram para nós apoiam ter um limite nos juros e não mexer no parcelado. Não teve nenhum líder que disse o oposto.

Se isso fosse tratado inviabilizaria a própria aprovação do texto?

Se fosse tratado, não seria por mim. Eu não colocaria isso no projeto. Se fosse, alguém teria de apresentar alguma emenda de plenário, antipopular, e tenho muita dúvida se teria apoio da Casa.

P. – Houve uma pressão para que o sr. desse o tempo de autorregulação?

AS – São vários grupos [que integram o sistema financeiro]. Talvez o maior deles não queria que houvesse nem a intervenção nem o prazo. Quando se convenceu que o prazo seria uma medida posta, não queria a consequência. Mas aí se tem um prazo e não tem consequência, fica aberto. Então, eles toparam.

P. – Eles quem?

AS – A Febraban, por exemplo, se manifestou dizendo que seria uma medida muito ruim, uma medida dura, intervencionista. Entendo que não é intervencionista nesse caso. Intervenção seria se a gente taxasse de imediato. Por isso que vai ter uma consequência ali colocada.

P. – Como foi essa definição do limite ao dobro da dívida no rotativo?

AS – A gente ficou pensando em algumas alternativas, porque estava posto 8% no projeto original. Qual a saída seria mais simpática, não tão intervencionista? Esse foi o primeiro ponto.

Segundo ponto era que houvesse um limite razoável, bem menor do que está sendo praticado hoje e que tivesse algum tipo de parâmetro que não fosse afetado de maneira tão imediata com eventual alteração, por exemplo, da taxa Selic.

A gente não quis engessar. Lógico que a regra de aplicação para se chegar a esse valor do principal vai ter de ser discutida na regulamentação, que vai ser aplicada ao longo do tempo. E isso daqui é bom frisar, não é por um ano, é pelo teto da dívida.

P. – Teve uma tentativa de delimitar a questão da dívida por um ano?

AS – Houve tentativa de limitar, para que cada ano renovasse. No mês seguinte, 13º, por exemplo, iniciaria um novo ano podendo chegar a um novo 100%. Aí não teria sentido, continuaria quase na mesma para quem tem dívida a longo prazo.

P. – Como foi a negociação acerca do relatório?

AS – Alguns grupos procuraram para entender se seria esse o relatório final e se tinha risco de mudança, se podia entrar o parcelado. Continua essa interrogação para muita gente.

De nossa parte não trataremos e não mexeremos nisso de forma alguma. Se vier no plenário, é outra história. Mas acho também que não.

No Desenrola, como o governo vai definir os lotes e esse recurso [do FGO] vem do Pronampe, que estava ali para atender micro e pequenas empresas. Estamos deixando expresso que haverá um lote para micro e pequenas empresas.

P. – O tamanho desse lote, a Fazenda vai delimitar. Qual o objetivo?

AS – Que ele também possa ser atendido na qualidade de credor.

P. – Lote na hora do leilão?

AS – É. Que ele tenha uma raia própria de competição. Ele competir com grande credor é muito desproporcional.

P. – Como fica o Desenrola?

AS – O resto é só ajuste de redação, porque o Desenrola já está em curso e não dá para mexer. Houve algumas sugestões de que se eventualmente discutisse a taxa de juros.

Conversamos com a Fazenda, mas o problema é que toda a estrutura do sistema já está pronta e não daria tempo de fazer uma revisão para ser executada até o final do ano.

P. – A taxa estabelecida é de, no máximo, 1,99% ao mês. Se fosse alterá-la, seria para quanto?

AS – Tiveram algumas propostas, como ter Selic mais uma variável. Mas não seria muito distante, até porque essa é maior. Portanto, a tendência da competição é ela [taxa] vir um pouco menor para gerar uma competição entre os bancos. Qual é o grande sentido do Desenrola?

A certeza do recebimento porque tem um fundo garantidor do outro lado. Se a operação não for quitada, alguém vai quitar. Então, o credor tem incentivo a um bom desconto. E o financiador dessa nova dívida também tem um incentivo a dar juro menor porque tem a certeza do recebimento.

RAIO-X

Alencar Santana, 47

Nascido em Guarulhos (SP), é formado em Direito pela Unip e deputado federal desde 2019. Atualmente vice-líder do governo na Câmara, foi eleito vereador e deputado estadual. É relator do PL que trata do Desenrola Brasil e que limita rotativo do cartão