SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Moradores do Vila Bela, no extremo da zona leste de São Paulo, vivem entre a poeira dos dias secos e o risco de alagamentos com as chuvas.
A comunidade que nasceu em 1995 reúne hoje quase 60 mil pessoas, cerca de 6.500 famílias, em um terreno de propriedade privada com 870 mil metros quadrados às margens de um córrego. O território na região de São Mateus, de acordo com a Prefeitura de São Paulo, “apresenta riscos geológicos e hidrológicos”.
preocupação com os fenômenos naturais sobre suas moradias inacabadas se junta ao temor constante de uma ordem judicial de reintegração de posse.
Há 28 anos, os donos da área tentam a sua retomada. Na investida mais recente, a SPE Sapopemba protocolou, neste ano, ação pleiteando a desocupação do terreno. “Pois tem o direito de obter a posse do imóvel que é proprietária”, escreveu o advogado da empresa, Carlos César Pinheiro da Silva, por email à Folha de S.Paulo.
“Não há posse mansa e pacífica dos moradores para usucapião, pois a ocupação é questionada desde 1995”, prosseguiu Silva.
Enquanto a disputa é travada, a população segue à espera de melhorias. Quase todas as ruas são de terras e com trechos de entulhos e concreto, adquirido através de vaquinha entre os moradores ou de doações de políticos. Muitas vias são impróprias para veículos, sobretudo os mais pesados como ônibus e caminhões.
As linhas de transporte público, no máximo, circunvizinham a comunidade. A prefeitura admite a dificuldade. “A maioria das ruas é estreita e possui aclive/declive acentuado, o que inviabiliza a passagem dos coletivos”, diz nota da prefeitura.
O ponto de ônibus mais próximo da casa de Marcilene da Silva Coelho e do seu filho Vitor, 12, autista e com síndrome de Down, está a, pelo menos, 15 minutos de caminhada. “Isto é, quando ele não fica cansado e, como não fala, senta na rua. O Vitor tem os pezinhos tortos”, diz a mãe.
A família morava em Sapopemba e, para sair do aluguel, comprou uma casa em Vila Bela.
Equipamentos públicos, como creches, escolas e unidades de saúde, concentram-se nos bairros ao lado como Carrãozinho e Conquista 1 e 2.
A filha de Valderlany Sousa estuda no CEI (Centro Educacional Infantil) Sol do Meio-Dia, no Jardim Vila Carrão. “Quando chove, não conseguimos carregar as crianças, as ruas fazem lamas e poças, e os carros não conseguem desviar da gente”, afirma a mãe de Lara, 2.
Na procura por unidades básicas de saúde (UBS) e AMA (Assistências Médicas Ambulatoriais), os moradores caminham por mais de 1 km em terrenos acidentados. Para os casos de saúde mais urgentes, o PA (Pronto Atendimento) São Mateus, aberto 24 horas, é o mais próximo, e a 4 km.
“Por conta dos buracos, não temos disponibilidade de uma ambulância, de um socorro. Carro de aplicativo aqui, dificilmente entra. Não tem uma UBS, nenhuma área de lazer para as crianças”, conta Francisca Maria Ferreira.
A prefeitura ressalta a oferta de serviços em bairros próximos. Declara que, além do Sol do Meio-Dia, toda a demanda região é atendida pelos CEIs Jeová Rafa II e Grão de Esperança, além das Emefs (Escolas Municipal de Ensino Fundamental) São Rafael (a 1,3 km) e Carlos Correa Mascaro (a 2,2 km).
A SME (Secretaria Municipal de Educação) afirma ainda que as filas para creches estão zeradas e que oferece transporte gratuito (TEG) para os que necessitam e se enquadram nos critérios.
Em nota, a SMS (Secretaria Municipal de Saúde) afirma que São Paulo possui uma rede articulada para o atendimento de crianças e adultos com deficiência. E a SPTrans, responsável pelo transporte municipal, diz que “não tem registro de desatendimentos do serviço Atende+ em Vila Bela”, destinado a pessoas com autismo, surdocegueira ou deficiência física severa.
O líder comunitário Melo, um dos primeiros a chegar ao Vila Bela, em 1995, sofre com diabetes e hipertensão. Aos 64, ele relata dificuldades para descobrir o que tem feito seu braço direito tremer, de forma descontrolada.
“Eu tenho ido até [a UBS] Conquista 1, no final da avenida Peramirim, a uns 900 metros de casa. Só que lá atendem Vila Bela e Conquista 1, é um posto pequeno e não tem médico para todos. A gente sente uma dor e tem que improvisar, se automedicar”, afirma Melo.
Mesmo com a enfermidade, ele se esforça pelas ladeiras convidando os moradores para se empenharem no abaixo-assinado com pedido de asfalto e de regularização fundiária à prefeitura.
“As pessoas estão bem descrentes, algumas não assinam porque dizem que fizeram isso no passado e nunca viram melhoria”, conta Alessandra de Jesus Dias, que vai de casa em casa colher assinaturas.
Outra queixa dos moradores é a falta de entregas dos Correios. O serviço chega a poucos endereços do Vila Bela, e a população sem CEP e desabastecida deve-se dirigir para uma agência da zona leste.
Desde agosto de 2020, a Justiça tem obrigado a prefeitura a realocar as famílias em áreas de risco na ocupação sob pena de multa de R$ 10 mil por dia. “A Prefeitura de São Paulo não terá que pagar multa, haja vista que não houve trânsito em julgado da decisão”, disse a gestão.
A gestão Ricardo Nunes (MDB) recorreu da decisão, alegando inclusive que os moradores das áreas R4 (o mais alto risco para moradias em áreas de riscos) resistiam à ordem de remoção, mas sofreu revés em segunda instância em março de 2022.
Na ação, o Ministério Público apresentou relatório no qual aponta para habitações edificadas sobre aterro de má qualidade, lançamento irregular de esgoto, solapamento das margens e assoreamento do córrego.
Em nota, a prefeitura disse que o processo de regularização fundiária está em andamento e que designou um grupo de trabalho intersecretarial para viabilizar obras de infraestrutura e regularização do terreno.
Do outro lado, o advogado da SPE Sapopemba disse que tentará impugnar nas esferas administrativa e judicial qualquer processo de regularização movido pela prefeitura. Silva, no entanto, diz que a empresa fez uma proposta inédita à Sehab (Secretaria Municipal de Habitação) para receber a indenização de forma parcelada.
“O valor será definido por avaliação imobiliária dos técnicos da prefeitura. A Sapopemba também apresentará o seu lado. Com eles, empresa e prefeitura podem negociar”, disse o advogado.
Douglas Alves Mendes, do movimento comunitário, diz que os moradores não se recusam a pagar pelo terreno, desde que as melhorias sejam asseguradas pelo poder público.
Em uma reunião com representantes da Sapopemba e Nunes no início de agosto, lideranças comunitárias do Vila Bela apresentaram a seguinte proposta: o município indenizaria os donos da área e realizaria as obras de infraestrutura no bairro, e os moradores restituiriam à Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo) a compra do terreno de acordo com a metragem de suas casas e em até 360 parcelas mensais.
“[A regularização] seria a coisa principal que poderia acontecer na minha vida, porque eu não me vejo em outro lugar”, disse Adelina Batista de Souza, que chegou ao Vila Bela em 1998 e, hoje, está à frente da associação de moradores.