BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O avanço das investigações contra militares ampliou o mal-estar entre integrantes das Forças Armadas com a Polícia Federal, instituições que já protagonizaram episódios de desconfiança mútua desde a transição de governo.

Generais da cúpula do Exército viram na coincidência de datas das operações que atingiram fardados e dias de festividades da Força uma possível ação dos policiais para ofuscá-los. Eles reclamam, sob reserva, que todas as datas de destaque do Exército até agosto foram marcadas por operações da PF.

Integrantes da Polícia Federal rechaçam que tenha havido qualquer intenção nesses atos além do mero cumprimento de decisões baseadas em achados de investigações e dizem que a avaliação não passa de teoria da conspiração.

A desconfiança de militares sobre a PF, porém, reflete como a relação vai mal, avaliam governistas. Diante dessa constatação, o ministro José Múcio (Defesa) e militares têm atuado para minimizar as rusgas.

Integrantes da cúpula do Exército reclamam, por exemplo, que em 3 de maio, quando o presidente Lula (PT) se encontrou com o Alto Comando e anunciou que o general Marcos Antonio Amaro assumiria o GSI (Gabinete de Segurança Institucional), a Polícia Federal realizou a operação que prendeu o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL).

Também apontam que horas antes de Lula anunciar o investimento de R$ 53 bilhões do novo PAC para as Forças Armadas, em 11 de agosto, a pauta havia se tornado a operação contra o general da reserva Lourena Cid, pai de Cid, pela suspeita de participação no caso das joias.

Militares ainda reclamam de que o Dia do Exército, em 19 de abril, tenha sido marcado pela divulgação das imagens do circuito interno do Palácio do Planalto pela CNN Brasil, referentes aos ataques golpistas de 8 de janeiro.

Como ação para melhorar a relação, Múcio tem falado com frequência com Andrei Rodrigues, diretor-geral da PF. No último dia 23, o ministro fez questão de ir à PF para convidar Rodrigues para a cerimônia do Dia do Soldado, que ocorreria dali a dois dias, em 25 de agosto.

“Para mim, era importantíssima a presença dele. Eu vim enfatizar, e fiz questão de vir pessoalmente, poderia dar um telefonema, mas para mim é muito importante a presença dele, do ministro Dino e de todo um governo para mostrarmos à sociedade que estamos todos de um lado só”, afirmou Múcio no dia.

Já Rodrigues afirmou ao jornal O Globo haver um “sentimento comum de sermos rigorosos com quem cometeu crimes”.

Um dia antes de Múcio ir à PF, a corporação negou o acesso aos nomes dos militares com quem o hacker Walter Delgatti teria se encontrado no ano passado. Segundo relatos de militares, Múcio aproveitou o encontro para sondar o diretor da PF a respeito de eventuais operações em datas importantes às Forças.

No mesmo esforço para reduzir a tensão, o comandante do Exército, Tomás Paiva, fez um convite para o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), voltar a fazer musculação na academia do Comando Militar do Planalto.

Como a Folha de S.Paulo mostrou, Moraes usava o espaço no Setor Militar Urbano para realizar os exercícios diários ao lado de oficiais e praças, no início da manhã, antes de ir para o trabalho nos tribunais.

A rotina se manteve por cerca de três anos até ser interrompida em novembro de 2022. Contrariados com a forma como Moraes guiava o processo eleitoral, generais da cúpula do Exército informaram ao ministro que a academia passaria por reformas.

Moraes entendeu o aviso como um recado para não voltar ao local. Agora, com o novo convite, ele avalia puxar novamente os pesos em companhia dos militares.

Múcio também foi ao gabinete do ministro, no STF, fazer o convite ao Dia do Soldado pessoalmente. A empreitada deu certo, já que Rodrigues e Moraes compareceram ao evento.

Generais afirmam, sob reserva, que as ações para distensionar a relação com a PF não têm como objetivo blindar militares investigados pela corporação. A ideia, segundo os relatos, é garantir uma boa relação institucional.

Policiais federais ouvidos pela reportagem afirmam que a intenção das investigações não é mirar militares, mas apurar os ilícitos como um todo e individualizar condutas, independentemente de serem das Forças Armadas ou não. Ainda apontam que as desconfianças de militares com a PF refletem um espírito corporativista de proteção dos fardados.

O clima de tensão entre PF e militares começou ainda na transição, com uma queda de braço sobre quem iria coordenar a segurança do presidente Lula (PT).

O diretor-geral da PF, que comandou a proteção do presidente durante a campanha, e o ministro Flávio Dino (Justiça) defendiam que parte dessa atribuição saísse da alçada do GSI, o que aconteceu inicialmente.

Durante seis meses, os policiais ficaram responsáveis pela segurança imediata de Lula, da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, e do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB).

Em junho, porém, o decreto que criou a secretaria que abrigava esse modelo expirou, a coordenação sobre a proteção presidencial voltou para o GSI e entrou em vigor um modelo híbrido. A PF continua fazendo integralmente a segurança de Janja, e alguns policiais atuam na de Lula.

Mas um decreto que visa regulamentar a atuação da Polícia Federal nesse caso está parado no Ministério da Gestão.

Também no início do ano, PF e Ministério da Defesa divergiram a respeito dos rumos do GSI. Desde os ataques do dia 8 de janeiro, as desconfianças da polícia com o Gabinete de Segurança Institucional aumentaram. Integrantes da cúpula da corporação desconfiam que integrantes do órgão tenham facilitado ou sido omissos com as invasões ao Palácio do Planalto.

Além disso, sempre atribuíram aos militares parte da culpa pela organização dos atos pela avaliação de que eles foram gestados nos acampamentos de apoiadores de Jair Bolsonaro em frente aos quartéis-generais.

Dino chegou a chamar os acampamentos de “incubadoras” de terroristas, antes do 8 de janeiro. Justiça e PF atuaram para desarmar esses locais, mas os militares não deixavam.

Nesse contexto, integrantes da polícia defendiam que o GSI fosse comandado por um civil, não por um militar. O ministro da Defesa, por outro lado, atuou junto a Lula para que ele mantivesse a tradição de deixar um militar à frente do órgão.