RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Julia Quinn estava um pouco apreensiva com o baile de máscaras que a Bienal organizaria ainda neste sábado em homenagem ao seu “Bridgerton”. Outras experiências no Brasil já a haviam ensinado como o pessoal daqui pode ser intenso.
“É o único lugar em que assino livros por horas e todos os leitores tiram foto”, se diverte a americana de 53 anos, simulando massagem nas bochechas habituadas a sorrir e sonhando com um spa já contratado na Flórida. “O fotógrafo já vem no pacote com a noite de autógrafos.”
Além de participar da festa cheia de cosplays de época que a celebrará em pleno Pavilhão do Riocentro, ela fala na manhã deste domingo como uma das grandes estrelas do evento. Pudera.
“Os Bridgertons”, escrito por ela há mais de 20 anos, se tornou um fenômeno absoluto de vendas por aqui depois da adaptação em série pela Netflix. Virou um dos maiores investimentos da editora Arqueiro e se desdobrou em outras edições lançadas há pouco, um relato de bastidores da produção e um spin-off chamado “Rainha Charlotte”.
“Esse último é muito metalinguístico. ‘Bridgerton’ virou uma série, que virou outra série, que virou um livro”, comenta ela, incorporando bem um discurso que a Bienal tem reforçado este ano, sobre como o consumo de narrativas literárias nem sempre está colado às páginas dos livros.
No caso da adaptação de “Bridgerton”, série que está no pódio dos maiores públicos da Netflix, algo que inflamou o debate foi a presença de personagens negras em palácios e cortes europeias de antigamente. Quinn não havia feito essa mudança em seus livros, totalmente protagonizados por brancos, mas apoiou a ideia da produção de Shonda Rhimes desde o dia um.
Mas ela tem interesse em promover esse tipo de inclusão na sua literatura? Ela fica reticente, porque diz que isso é mais difícil de fazer num livro.
“Quando eu mostro pessoas negras passando na TV, isso simplesmente está ali, faz parte da cena. Eu teria que fazer isso muito de propósito num livro, chamar muita atenção. Teria uma sensação de ‘por que você está descrevendo tanto esses personagens, está tentando provar um ponto?'”
É uma preocupação em evitar esfregar demais o nariz dos leitores no assunto, quando na TV isso pode ser delineado de forma mais natural. Além disso, ela diz não querer “fazer diversidade pela diversidade”.
“Se for para fazer, quero fazer bem. Para entrar na cabeça de uma personagem como só um livro entra, você tem que saber da forma mais sensível e respeitosa possível como certas questões históricas afetaram as pessoas não brancas. Se você fizer isso mal, pode causar muito mais dano.”
Quinn ressalta que mais importante que ela mesma escrever esses livros é apoiar a produção de autores que não são brancos, garantindo que seus livros se tornem mais conhecidos e circulem melhor nas redes sociais e livrarias.
Essa discussão toda toca num outro lado da moeda, o revisionismo histórico que tem feito editoras apagarem ou reescreverem termos considerados racistas em obras antigas de autores como Monteiro Lobato e Agatha Christie. Afinal, é a representação clássica das minorias que está em jogo.
Sobre isso, Quinn comprime a boca na sala do hotel carioca onde está hospedada e diz algumas vezes que não sabe o que responder.
Afirma que não se sente confortável com uma pessoa de fora, como ela, apontar o dedo para um livro e dizer que aquilo precisa ser reescrito –mas é diferente quando é uma decisão dos herdeiros, que não querem mais publicar determinados conteúdos. Enquanto pensa, lembra de um exemplo.
“Eu sou judia, você sabe. E Roald Dahl era um antissemita terrível, realmente uma pessoa horrorosa. Mas caramba, como tinha imaginação.”