SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Sérvulo Esmeraldo não tinha 30 anos quando se mudou para Paris, em 1957, com o objetivo de estudar na Escola Nacional Superior de Belas-Artes. Foi ali, na capital francesa, onde permaneceu por mais de duas décadas, que ele frequentou o ateliê do artista alemão Johnny Friedlaender e começou a experimentar as técnicas da gravura em metal.
Nesse período, em que ia todas as terças-feiras na Biblioteca Nacional estudar a produção do renascentista Albrecht Dürer e no qual pode se firmar como um dos principais nomes da arte cinética, por conta de suas invenções no campo da eletrostática, Esmeraldo sentia saudade sobretudo da luminosidade de sua terra natal, o Ceará.
A falta era tanta que, ao observar o pôr do sol durante a decolagem de um voo de retorno à França, decidiu que não iria mais perder tempo. Ainda que, na fase que passou na cidade de Paris, tenha visitado o Brasil de forma regular.
Em um texto assinado por Aracy Amaral pouco após sua volta, inclusive, a crítica discorre sobre o fato de que, em paralelo aos caminhos que havia aberto para a sua arte na Suíça, na Itália e na França, o artista sempre expôs em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Ceará. Quando vinha, ela ressalta, era não só para ver o país, mas para que o país o visse.
Após a sua morte, em 2017, fazer com que ele seja visto é também a tarefa da retrospectiva “Sérvulo Esmeraldo: Linha e Luz”, que está no Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo até 20 de novembro e mostra o artista em sua completude.
O percurso de idas e vindas, assim como as descobertas e as renúncias de novas técnicas e materiais, é totalmente coberto pela exposição, que passa pela gravura, o desenho, a escultura e os objetos.
Na seleção com mais de 110 obras está, ainda, a sua maior renúncia, uma vez que a decisão de retornar ao Brasil envolveu o abandono de toda a pesquisa em torno dos “excitáveis”, as peças que até hoje são consideradas como a sua contribuição mais valiosa no campo da arte.
Expostas no subsolo do CCBB, são formadas por caixas com tampos de acrílico transparentes ou translúcidos que contêm em seu interior fragmentos que se movimentam em resposta à energia corporal ou, na definição de Esmeraldo, não passam de “um objeto de arte que tem a particularidade de ser, sobretudo, uma máquina eletrostática”.
A ideia surgiu a partir da lembrança de uma brincadeira de infância na qual ele e os amigos passavam o pente no cabelo e depois usavam sua carga eletrostática para atrair pequenos pedaços de papel. Apesar de ter funcionado muito bem na Europa, a experiência não foi, por muito tempo, adaptável ao clima brasileiro devido à umidade do ar.
“Ele estava no auge dessa pesquisa e precisou interromper porque os museus não eram climatizados. Foi uma renúncia brava”, conta Dodora Guimarães, viúva do artista e organizadora da mostra ao lado de Marcus Lontra.
O acrílico e o mármore, elementos que ele vinha trabalhando durante a sua estada na França, por sua vez, não estavam disponíveis no Ceará. Mas, a despeito de qualquer suporte, Esmeraldo se manteve, por décadas, perseguindo a mesma linguagem. Sua matéria-prima, como Dodora relembra, era a luminosidade.
É por isso que, em toda a sua obra, desde o início de sua carreira, o que predomina são as ideias do contraste entre o claro e escuro, da linha e da luz, como indica o título da exposição.
Tanto que, “Logaritmo”, tela de 1975 e a primeira que se vê na mostra, logo na entrada do espaço expositivo, é considerada pelos curadores como a essência de Esmeraldo, síntese de todo o seu trabalho. Ali, partindo de uma forma geométrica definida, que se altera apenas na angulação, ele cria volume e sugere um movimento de curvatura.
“Sempre me interessei pela estrutura das coisas. Eu simplifico; tiro o que não quero e deixo apenas aquilo que quero ver. Às vezes, é apenas o espaço vazio entre duas folhas ou a justaposição das formas vegetais”, disse Sérvulo certa vez. ” Se você analisar as folhas, pode encontrar a razão.”
Encontrar a razão não deixa de ser um bom exercício para quem se detém nas obras do artista. Já nas xilogravuras da década de 1950, as folhagens, sementes, pássaros, conchas e vegetais remetem à infância nordestina, mas, na maioria das vezes, apontam para abstrações por meio de elementos geométricos.
É um percurso por meio do qual, pouco a pouco, Esmeraldo se apropria da técnica, passando por gravura em metal, serigrafia e outras tantas possibilidades no papel, para depois transformar tais desenhos em esculturas cheias de volume e cor.
Sua chegada ao Brasil parte também da necessidade de amplificar esse campo e da vontade de transformar Fortaleza, que chamava de “Grécia sem esculturas”, em um espaço repleto de obras públicas. A construção do “Monumento ao Saneamento Básico de Fortaleza” na Praia do Náutico, com quase quarenta metros de comprimento, é um bom exemplo da dimensão que sua pesquisa toma na cidade.
Mas ao mesmo tempo em que lidava com as grandes dimensões e sua monumentalidade -algo que pode ser visto na mostra por meio de vídeos- o artista se aplicava no desenvolvimento de esculturas vazadas, feitas unicamente de estruturas de aço. Com elas, brincava que poderia chegar ao infinito, dado ao fato de que poderia transportá-las “debaixo do sovaco” para qualquer lugar.
Agora, em uma das salas do CCBB, as obras apresentam, mais uma vez, volumes criados por meio do contraste entre o real e o virtual, entre a matéria e a sombra projetada por ela na parede.
E no meio dessas peças mais conhecidas, a exposição guarda descobertas, como “Planos”, a única representante de uma técnica da qual Esmeraldo pouco gostava -a litogravura-, além de uma pintura do início da sua trajetória, onde se vê uma marina da época em ele frequentava o ateliê livre da Sociedade Cearense de Artes Plásticas, a Scap. É uma paisagem na qual a incidência da luz e da geometria aparecem de forma tímida.
A maior surpresa de todas, no entanto, são os desenhos criados já no fim da vida e expostos pela primeira vez ao público. Embora seu último ano tenha sido marcado por problemas de cognição decorrentes de um AVC, Dodora conta que Esmeraldo não deixou de trabalhar nem um dia sequer.
As peças derradeiras partiram de um pedido por folhas de grande escala para que pudesse “escrever cartas”. São desenhos com grafite endereçados para familiares como “vovó Julieta”, “vovó Zaira” e “papai Álvaro” e que passaram rapidamente pelo crivo do artista.
“Ele tinha consciência do que era arte e do que não era. Rasgava o que não gostava e assinava o que devia permanecer”, explica a viúva. Não há como negar que ele sabia o que estava dizendo.
SÉRVULO ESMERALDO: LINHA E LUZ
Quando Qua. a seg., das 9h às 20h. Até 20/11
Onde Centro Cultural Banco do Brasil – R. Álvares Penteado, 112, São Paulo
Preço Grátis
Classificação Livre