SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A 1ª Vara Empresarial de Belo Horizonte aceitou pedido da 123milhas e determinou a recuperação judicial da empresa. Com dívidas de R$ 2,3 bilhões, a companha de turismo online fez a solicitação à Justiça na terça-feira (29). A entrada da empresa em recuperação judicial acontece exatos 13 dias após a 123milhas suspender pacotes e passagens da linha Promo123, que não têm data definida.

Na decisão, a juíza Claudia Helena Batista definiu quem serão os administradores da recuperação judicial, incluiu órgãos de defesa do consumidor para fazer parte do processo como amicus curiae (amigos da corte) e solicitou a empresas detentoras de cadastro de inadimplentes “a suspensão dos apontamentos relativos aos débitos existentes até a data da distribuição da presente ação, 29 de agosto de 2023”.

Com a aceitação do pedido de recuperação judicial, a companhia consegue evitar a cobrança de dívidas e ganha tempo para organizar um plano de pagamento. Agora estão suspensas todas as ações contra a empresa por um prazo de 180 dias.

Conforme apontou a Folha de S.Paulo, existem hoje mais de 16 mil ações judiciais contra a 123milhas, que somam mais de R$ 200 milhões –a maior parte de consumidores que se sentiram lesados pelo fato de verem suas viagens suspensas.

O pedido de recuperação judicial é assinado por advogados dos escritórios TWK e Bernardo Bicalho. A ação abrange também a HotMilhas e a holding Novum, dona da 123milhas.

Entre as justificativas apresentadas pela companhia, a defesa capitaneada por Joel Luis Thomaz Bastos destaca os postos de trabalho gerados pelas duas empresas —427, no total—, além de “centenas de empregos indiretos”.

A juíza determina ainda que a 123milhas coloque em sigilo nomes e dados de credores para proteção dos dados pessoais, conforme determina a lei. Além disso, pede que seja enviada a lista de credores em documentos nos quais seja possível fazer edição.

“A relação de credores, ainda incompleta (…) inclui 34 listas com 8.200 páginas, aproximadamente 700 mil credores pulverizados em todo o Brasil”, diz a magistrada. A intenção da juíza é para que seja incluídos dados nos documentos, como, por exemplo, nomes de clientes que ficaram de fora.

A lista de credores da 123milhas reúne os próprios donos —os irmãos Augusto Julio e Ramiro Julio Soares Madureira—, centenas de pequenos hotéis e pousadas em diversas regiões do Brasil, agências de turismo, bancos, o Google e os consumidores lesados. Cerca de R$ 15 milhões são dívidas trabalhistas e R$ 92 milhões com micro ou pequenas empresas.

Levantamento feito pela consultoria RGF & Associados, a pedido da Folha, aponta que são 573.588 credores da classe “quirografários”, sem garantia real de pagamento, que juntos têm R$ 2,2 bilhões a receber. São consumidores, fornecedores e bancos. Segundo a RGF, apenas 1.898 deles têm mais de R$ 100 mil a receber.

Entre os fornecedores, há hotéis de diferentes portes na lista de credores, assim como diversas pousadas por todo o Brasil. “São muitas empresas de pequeno porte que, provavelmente, dependem em certa medida da 123milhas”, afirma Rodrigo Gallegos, sódio da RGF.

Gabriel de Britto Silva, advogado especializado em direito do consumidor e diretor jurídico do Ibraci (Instituto Brasileiro de Cidadania), afirma que, com a recuperação judicial, há a transferência integral do risco do negócio para os consumidores, que poderão figurar entre os últimos a receber os valores.

No entanto, segundo ele, é preciso esperar a aprovação do plano de recuperação da empresa, que ainda deverá ser detalhado e passará por votação dos credores. Antes da aprovação, é publicado edital, com prazo para apresentação de objeções, que são analisadas pela Justiça.

Segundo o especialista, se o plano for aprovado, os pagamentos serão feitos por categorias. Recebe primeiro quem tem dívida trabalhista, depois, os tributários. Os consumidores estão entre os quirografários, sem garantia real de pagamento, o que pode colocá-los no final da fila.

Filipe Denki, especialista em recuperação judicial da Lara Martins Advogados, diz que o dinheiro dos clientes lesados poderá ser pago com deságio de 70% a 80%. Além disso, afirma que quem não estiver na lista de credores precisará pedir a habilitação, assim que for aberto prazo legal para isso.

Thalita Almeida, sócia do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha, Lopes e Freitas Advogados, explica que é dos credores a responsabilidade por aprovar ou não o plano da companhia no que diz respeito à proposta feita a eles. Para isso, haverá uma votação, e consumidores e seus representantes podem não aceitar o que será proposto.

“É dos credores a atribuição de definir pela viabilidade ou não da recuperação judicial quando votam pela aprovação ou rejeição do plano, e essa votação é organizada por meio de classes”, diz.

A advogada Camila Crespi, especialista em reestruturação empresarial na Luchesi Advogados, afirma que a juíza teve cuidado especial com os consumidores, que representam a maior parte dos credores lesados pela companhia.

Segundo ela, a magistrada dá proteção especial aos clientes quando fala da possibilidade de intervenção de órgãos reguladores durante o processo e trata também sobre os bloqueios de ativos da empresa em recuperação, incluindo seus sócios.

“O diferencial é a proteção especial do consumidor. Ela coloca isso na própria decisão, quando, por exemplo, dispensa da comprovação prévia por meio de perícia contábil, que será feita ao longo do processo”, diz.

**ENTENDA A CRISE DA 123MILHAS**

A 123milhas suspendeu pacotes e emissão de passagens aéreas da linha promocional, que oferecia valores abaixo dos praticados no mercado, em 18 de agosto. A suspensão vale para os meses de setembro a dezembro. Os pacotes tinham datas flexíveis, ou seja, o cliente não sabia quando viajaria, a não ser quando houvesse a emissão das passagens.

Para compensar quem não vai mais conseguir viajar nas próximas datas, a companhia havia oferecido vale-compra, que podia ser usado em seu site. A alternativa, porém, desagradou quem está com viagem agendada. Os pacotes custavam o dobro e, na terça, essa opção de vales-compras foi cancelada.

Em nota no seu site, a 123 milhas confirma o protocolo de pedido de recuperação judicial com “o objetivo de superar esse momento e propor uma saída de viabilidade financeira”. No entanto, a empresa afirma que está impedida de realizar pagamentos e que o voucher oferecido não poderá ser solicitado.

“A 123milhas está fazendo todos os esforços para apresentar o plano de recuperação judicial que busca viabilizar a preservação da empresa e a quitação dos compromissos com seus clientes. Mais uma vez, pedimos desculpas pelos transtornos”, diz a nota.