SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O barulho das festas, com centenas de participantes e música ao vivo, há quase dois anos tira o sossego de Danilo Fernandes, morador da Vila Monumento, na região do Ipiranga, zona sul de São Paulo. Do apartamento em que ele mora, no sexto andar, tem que conviver com os eventos realizados quase todo fim de semana em uma arena esportiva vizinha.
“Não consigo estudar, ler um livro ou ver um filme. Minha esposa gestante tem o fim de semana para descansar e também não consegue”, conta o engenheiro, que diz já ter registrado mais de dez reclamações à Prefeitura de São Paulo por causa do excesso de ruído, mas continua convivendo com o problema.
A poluição sonora é uma das principais reclamações de quem vive capital paulista e tem motivado cada vez mais o acionamento do Psiu (Programa de Silêncio Urbano). De janeiro a julho, o canal 156 da prefeitura recebeu em média 120 denúncias por dia, totalizando 25 mil queixas formais no período.
Em apenas sete meses, o número já se aproxima das 30 mil reclamações contabilizadas em todo o ano passado e representa alta expressiva na comparação com anos anteriores de 2018 a 2021, o volume de queixas nunca foi maior que 20 mil.
O atendimento às demandas é atribuição da divisão de Silêncio Urbano da prefeitura, que hoje conta com apenas dez agentes em trabalho operacional. Os profissionais são responsáveis por medir as emissões de ruído de atividades como comércio, indústria e construção civil em toda a cidade, utilizando um equipamento chamado sonômetro.
Os limites sonoros são estabelecidos pela Lei de Zoneamento e variam de 40 dB (decibéis) a 65 dB, dependendo do tipo de zona e horário quanto mais tarde, maior a restrição. Infrações podem levar a multas de R$ 12 mil a R$ 36 mil e até à interdição do estabelecimento.
Neste mês, a gestão Ricardo Nunes (MDB) quis incluir na proposta de revisão da Lei de Zoneamento ainda a ser enviada à Câmara Municipal um artigo que previa a mesma multa a residências que desrespeitassem o limite de barulho. Segundo a prefeitura, o setor responsável pelo Psiu se manifestou contrário à mudança, e o trecho será retirado do projeto.
Na avaliação de profissionais que atuam no setor de fiscalização do município, a divisão de Silêncio Urbano já opera com estrutura mínima e não teria condições de absorver essa nova atribuição.
Dados da prefeitura obtidos pela reportagem via Lei de Acesso à Informação ajudam a dimensionar esse gargalo. De todas as 25 mil solicitações recebidas pelo 156 até julho, apenas 21% resultaram em fiscalização cerca de 5.500. No mesmo período, 280 multas foram aplicadas a estabelecimentos que cometeram infrações.
De acordo com a gestão municipal, o prazo médio para finalização de denúncias de poluição sonora recebidas pelo 156 é de 45 dias. Por determinação de um decreto, a fiscalização tem como prioridade o atendimento às demandas da Justiça, do Ministério Público e de outros órgãos públicos.
Como consequência, o atendimento ocorre de forma desproporcional entre as regiões da cidade. A área da subprefeitura Jaçanã/Tremembé, por exemplo, é a recordista em reclamações por barulho neste ano, mas das 3.225 solicitações protocoladas, apenas 79 foram atendidas. Por outro lado, na região da Casa Verde, foram atendidas 219 das 572 reclamações registradas no mesmo período.
“A cidade tem poucos fiscais nessa área, e as demandas que chegam pelo 156 vão se acumulando. Para ser atendida, a pessoa tem que ser insistente e recorrer à Ouvidoria ou ao Ministério Público”, afirma Mário Roberto Fortunato, presidente do Savim (Sindicato dos Fiscais de Posturas Municipais e Agentes Vistores do Município de São Paulo).
Como mostrou a Folha de S.Paulo, a capital paulista tem hoje o menor efetivo de fiscais de rua em atuação dos últimos 20 anos, com 325 profissionais, o que afeta diretamente a capacidade de atendimento às demandas do Psiu. A prefeitura tem concurso aberto para contratar 175 novos agentes, número considerado insuficiente pelo sindicato que representa a categoria.
Para a presidente da comissão de Direito Urbanístico da OAB-SP, Lílian Regina Pires, a fiscalização do Psiu não ocorre com a eficiência que deveria.
“Além da demora, muitas vezes o fiscal vai num dia ou horário que não tem barulho e acaba não aplicando penalidade. Não adianta chegar no feriado ou de madrugada”, disse a advogada, que defende a ampliação no quadro de fiscais para atendimento às demandas acumuladas.
Procurada, a prefeitura disse, por meio de nota, que o Psiu realiza fiscalizações diariamente para diminuir o incômodo causado por ruídos à população. “Há uma ação permanente com medidas educativas e aplicação de multas, além do fechamento de estabelecimentos que insistem em não cumprir a legislação.”
Ainda segundo a prefeitura, até o fim de agosto o Psiu aplicou 314 multas, emitiu 344 termos de orientação e realizou 43 fechamentos administrativos de estabelecimentos reincidentes.
A administração municipal também disse que as solicitações feitas via 156 são incluídas em cronograma de atendimento pela divisão de Silêncio Urbano e que as vistorias são conduzidas no mesmo horário descrito na reclamação. “Caso o fiscal não possa confirmar a reclamação durante a primeira visita, a ordem de serviço é reagendada no sistema para ser executada novamente.”
Denúncias de barulho também são compartilhadas com as subprefeituras, que por sua vez verificam se as atividades geradoras de ruído estão de acordo com a licença de funcionamento dos estabelecimentos. “Nesses casos, sendo identificada a irregularidade, o estabelecimento também pode ser fechado administrativamente pela subprefeitura por conta da ausência de documentação necessária.”