BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O GSI (Gabinete de Segurança Institucional) concluiu uma sindicância (investigação interna) para apurar os ataques de 8 de janeiro e isentou de responsabilidade o ex-ministro da pasta e general da reserva Gonçalves Dias conhecido como GDias.
O ministério, porém, ignorou que GDias recebeu por mensagens de celular, às vésperas da invasão dos Três Poderes, alertas da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) sobre o risco das manifestações golpistas organizadas por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Mensagens trocadas entre Gonçalves Dias e o ex-diretor-adjunto da Abin Saulo Moura da Cunha mostram que o ex-ministro ainda atuou para omitir seu nome em documentos enviados a autoridades.
“Será que meu nome pode ser retirado daquela relação”, perguntou o então ministro do GSI a Cunha (Abin) em 17 de janeiro.
“Aquela relação é só para seu conhecimento”, respondeu o oficial de inteligência. “Ela ia ser entregue para o Esperidiao”, retrucou o general. Ele se referia ao senador Esperidião Amin (PP-SC), à época presidente da comissão do Congresso que fiscaliza as atividades de inteligência do governo.
No documento, o nome do general estava entre os que receberam os informes sobre as manifestações violentas convocadas para a Esplanada dos Ministérios. Os alertas foram enviados diretamente por Cunha ao então ministro, pelo WhatsApp, entre os dias 5 a 8 de janeiro.
“Ha (sic) mais alguém que sabe??” perguntou GDias sobre a existência do relatório contendo seu nome. A resposta de Cunha foi negativa. O general, então, pediu novamente: “Pode tirar o meu nome?”
“Claro. O senhor não era parte da operação”, disse o ex-diretor. “Me mande outra .lacrada ”, respondeu então GDias, que presta depoimento à CPI do 8 de janeiro nesta quinta-feira (31).
A conversa entre Cunha e Gonçalves Dias foi a prova apresentada pelo oficial de inteligência à CPI do 8 de janeiro de que o ex-ministro havia mandado omitir das autoridades o fato de ter recebido os alertas da Abin antes dos ataques.
As trocas de mensagens e os relatórios produzidos pela Abin, revelados pela Folha de S.Paulo em abril, contradizem a versão apresentada pelo GSI na sindicância.
A pasta ignorou que GDias recebeu os alertas da inteligência e, como conclusão, pediu para investigar a responsabilidade de outros quatro militares, incluindo um tenente-coronel que estava de férias e havia recebido os mesmos alertas, mas não os comunicou aos superiores.
Em depoimento à sindicância, GDias disse que o GSI não recebeu informes da Abin sobre as manifestações. A apuração, porém, perguntou ao general apenas se esses relatórios chegaram “através de canal oficial” ele não foi questionado sobre trocas de mensagens por outros meios.
GDias ainda disse à investigação que “possivelmente” houve um apagão de inteligência relacionado aos atos de 8 de janeiro. “As informações não fluíram.”
A sindicância acompanhou os argumentos do militar e concluiu que o GSI não recebeu os informes da Abin e do setor de inteligência do governo do Distrito Federal sobre os protestos.
A investigação interna do GSI ainda blindou GDias e concluiu que o general atuou “de acordo com o esperado de uma autoridade em sua posição naquela situação”, ao “estar presente e atuando no interior do Palácio do Planalto durante as investigações”.
Dados do celular de Cunha, entregues por ele mesmo à CPI, mostram diversas trocas de mensagens com GDias sobre a mobilização golpista.
Em 5 de janeiro, às 16h13, Cunha encaminhou a primeira mensagem ao general sobre a convocação dos protestos. “Esses atos seriam em frente ao Congresso”, diz o texto.
No dia seguinte, o oficial de inteligência enviou novos informes, sendo que os primeiros minimizam o risco de ataques.
Às 20h22, Cunha encaminhou novo texto a GDias, dessa vez com mudança de tom. O informe cita que “a perspectiva de adesão às manifestações” ainda “permanece baixa”, mas pondera que “há risco de ações violentas contra edifícios públicos e autoridades”.
“Destaca-se a convocação por parte de organizadores de caravanas para o deslocamento de manifestantes com acesso a armas e a intenção manifesta de invadir o Congresso Nacional. Outros edifícios na Esplanada dos Ministérios poderiam ser alvo de ações violentas”, afirma o texto.
Entre os dias 5 e 7 de janeiro, o oficial da Abin enviou ao menos 17 mensagens relacionadas aos protestos previstos para o dia 8.
No dia 8 de janeiro, às 8h53, GDias escreveu para Cunha: “Bom dia.. Vamos ter problemas..”
O próprio GDias já admitiu que pediu edição do relatório da Abin enviado ao Congresso Nacional com os alertas disparados às vésperas dos ataques às sedes dos Poderes.
Em 22 de junho, ele disse à CPI da Câmara Legislativa do Distrito Federal que o documento original, que mencionava o “ministro do GSI” entre os destinatários dos informes, não “condizia com a realidade”.
“Eu não participei de nenhum grupo de WhatsApp, eu não sou o difusor daquele compilado de mensagens. Então aquele documento não condizia com a realidade. Esse era um documento. Ele foi acertado e enviado”, completou.
Para GDias, a modificação do documento não configura adulteração ou fraude. “Eu sempre falei no GSI […] que todo documento que passasse por lá tinha que ser a expressão da verdade”, disse.
A sindicância do GSI ouviu 25 pessoas, principalmente militares da própria pasta que atuaram no dia 8 de janeiro.
No total, a sindicância recomenda apuração disciplinar específica contra quatro militares e adequações no Plano Escudo e nas Regras de Engajamento diante de “indícios de falhas” na execução.