SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Holly Black cresceu ouvindo a mãe dizer que um fantasma vagava pelo casarão em que moravam em Nova Jersey, nos Estados Unidos. A morada, conta a escritora, estava quase sempre caindo aos pedaços, com a pintura desgastada e rodeada de árvores que faziam as janelas ranger à noite.

Ter vivido numa casa com ar de mal-assombrada ajuda Black, hoje aos 51 anos, a imaginar histórias que transportam humanos para mundos de criaturas sobrenaturais. É o que ela diz por videoconferência dias antes de viajar pela primeira vez para o Brasil.

A americana vai conversar com fãs e autografar livros na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, que começa nesta sexta-feira (1º), no Pavilhão do Riocentro, na capital fluminense. O evento tem ainda como destaques as americanas Cassandra Clare e Julia Quinn, além dos brasileiros Itamar Vieira Junior e Carla Madeira.

Uma das escritoras de fantasia mais influentes dos Estados Unidos, Black ficou conhecida no Brasil por ter escrito “As Crônicas de Spiderwick”, saga de livros infantojuvenis que fez sucesso no início dos anos 2000 e que depois virou filme. Mas seu maior triunfo no país é recente.

“O Príncipe Cruel”, publicado no Brasil em 2018, viralizou no TikTok durante a pandemia. Com isso, o livro pulou de 3.425 exemplares vendidos em 2019 para mais de 102 mil em 2021, diz a Galera Record, que publica o romance por aqui.

Além disso, o título virou também o nono infantojuvenil mais comercializado de 2021, segundo o site PublishNews, especializado em vendas de livros.

A trama de “O Príncipe Cruel” parte do sequestro de Jude, uma garota humana, que é levada à força para Faerie, um reino povoado por fadas. Ela cresce tentando se adaptar ao local, mas é desprezada pelas criaturas. Na tentativa de se provar digna de um lugar na corte, quando chega à adolescência, Jude desafia o príncipe. Só que os dois acabam se atraindo romanticamente.

“O gênero ‘coming of age’ [histórias sobre amadurecimento] são extremamente populares”, diz Black, quando questionada sobre o sucesso de livros como “O Príncipe Cruel”. “Atraímos leitores que gostam de ler sobre pessoas tomando decisões importantes. Quando se é jovem, seja num livro ou na vida real, é preciso escolher qual estrada seguir.”

Quase todos os romances de Black, exceto um, têm crianças e adolescentes como público-alvo. Antes de “O Príncipe Cruel”, ela escreveu outra trilogia com fadas, um romance sobre vampiros, um terror infantojuvenil, além de livros que se passam numa escola de magia.

Black quer levar os anseios e o sentimento de despertencimento dos jovens para seus personagens. “Quando se escreve para adolescentes, você compete com livros adultos. Para se ter noção, quando eu estava no nono ano, meus colegas estavam lendo Stephen King. E isso ainda acontece. Temos que escrever sobre o que os adolescentes se interessam e sobre o que é uma realidade para eles”, diz ela.

Nesse sentido, ela tenta dar também humanidade aos seus monstros. Para isso, cria fadas que se descolam da imagem fofa e ingênua de desenhos como “Tinker Bell” e “O Clube das Winx”. São seres ardilosos, ambiciosos e trambiqueiros que empunham armas, guerreiam e discutem política.

Jude, a garota de “O Príncipe Cruel”, sofre bullying das fadas em boa parte do livro. É parte do desejo de Black usar elementos fantasiosos para discutir temas delicado. Em outros romances, ela fala de abandono parental, assédio e vício em drogas.

Ela só não se rendeu às cenas picantes. Sarah J. Maas, que também escreve fantasia para jovens, virou uma das autoras mais vendidas dos últimos anos com romances em que feéricos, seres parentes das fadas, fazem sexo com frequência. As transas são descritas em detalhes.

“As pessoas gostam disso porque [sexo] é um impulso humano. Já conversei muito sobre livros para o jovem-adulto em convenções, e quase sempre falamos sobre limites. Quanto de sexo vai ter nos livros? Esses limites não são desenhados pelos escritores nem pelas editoras, mas sim pelos leitores”, ela afirma.

É a opinião de uma pessoa que viu o mercado mudar ao longo dos últimos 20 anos. Black, que antes era editora de revistas médicas, lançou “Tithe”, seu primeiro livro, em 2002, após uma série de tentativas fracassadas. Naquela época havia pouca fantasia juvenil nas estantes principais das livrarias, ela diz.

“Ninguém ganhava dinheiro com livros para adolescentes. O mercado era muito menor. Naqueles tempos, livros ilustrados eram considerados o momento”, ela lembra. “Não pensei em sucesso em termos de vendas. Só o fato de que eu estava lançando um livro e vendo-o sendo vendido já era um sucesso para mim. Provavelmente fui ingênua.”

Jovens começaram a comprar mais livros quando a livraria Barnes & Noble tirou títulos desse tipo da seção infantil para colocá-los no centro das lojas, afirma a escritora.

Foi em meio ao sucesso estrondoso de “Harry Potter”, em 2003, que ela lançou “As Crônicas de Spiderwick”, sobre irmãos gêmeos que se mudam para uma casa assombrada.

Depois de passar pelos cinemas, os livros foram transformados num seriado, que estava programado para ser lançado na plataforma de streaming da Disney quando Black conversou com a reportagem. O estúdio desistiu por contenção de gastos, conforme divulgado nesta semana. Pelo Instagram, Black afirmou que a série está pronta e que ainda será lançada –ela só não sabe onde.

Holly Black queria ser escritora desde que era criança, quando lia vorazmente. Na oitava série, ofereceu um projeto para editoras, que foi rejeitado. Mas ela não ficou triste –é parte do jogo, escritores quase sempre são negados, pensou.

Hoje ela ainda carrega certo pessimismo, apesar do sucesso. “Trabalhar com arte é complicado. Você é autônomo. Minha dica [para novos escritores] é escrever sobre as coisas que ama”, diz. “Tem que torcer para encontrar sua audiência. Para mim, ter sucesso como escritor é conseguir fazer isso ano após ano.”

BIENAL DO LIVRO

Quando 1º a 10 de setembro

Onde Pavilhão do Ricentro – r. do Bpo., 316, Tijuca, Rio de Janeiro

Preço R$ 39 em eventim.com.br