SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma revisão de meta-análises de estudos sobre Cannabis apontou que adolescentes, jovens adultos, mulheres grávidas e pessoas que estão dirigindo veículos devem evitar o uso da substância. Ao mesmo tempo, observou que o canabidiol (CBD) uma das substâncias encontradas na Cannabis é efetivo para epilepsia, especialmente em crianças, e que outros canabinoides podem ser benéficos no tratamento de esclerose múltipla, dor crônica, doença inflamatória intestinal e cuidados paliativos.
A revisão (uma espécie de revisão de revisões) buscou avaliar a qualidade, a credibilidade e o nível de certeza das associações existentes entre a saúde humana e a Cannabis, canabinoides e remédios à base da substância. Foram consideradas 101 publicações.
O trabalho, que saiu nesta quarta-feira (30) na revista BMJ, incluiu em seu escopo tanto estudos observacionais quanto pesquisas randomizadas controladas.
Segundo os cientistas, o canabidiol pode ser considerado como uma opção potencial de tratamento para redução de convulsões em casos de epilepsia.
Os medicamentos feitos a partir de Cannabis também podem ter seu uso considerado para diferentes quadros associadas à dor crônica. Entre os exemplos citados pelos cientistas, estão esclerose múltipla, espasticidade associada à esclerose múltipla, náusea e vômito em pessoas com diversas condições de saúde e para o sono em pacientes com câncer.
“Canabidiol parece ser seguro em relação a sintomas psiquiátricos, mas são necessários mais estudos antes que essa droga seja recomendada para o tratamento de problemas psiquiátricos”, afirmam os pesquisadores.
Dirigindo-se aos responsáveis por políticas públicas de saúde e outros pesquisadores, os autores da revisão afirmam que são necessárias diretrizes para traduzir em prática clínica os achados existentes sobre o uso da Cannabis.
CUIDADOS E CANNABIS X ÁLCOOL
De acordo com os autores da pesquisa, adolescentes e jovens adultos devem evitar o uso de Cannabis por causa do neurodesenvolvimento ainda em curso. Além disso, é o momento em que transtornos de saúde mental têm início e a cognição se mostra primordial para o aprendizado e performance acadêmica.
Os pesquisadores afirmam que, para o caso de jovens adultos, o consumo deve ser evitado quando há propensão a problemas de saúde mental ou se a pessoa já apresenta, de fato, tais problemas.
Foi identificada ainda uma associação entre o uso da Cannabis e quadros de psicose.
Na análise, foi considerada a qualidade das evidências encontradas. Para o caso de uso de Cannabis associado a psicose em adolescentes, as evidências são de “credibilidade altamente sugestiva, convincente nas principais análises de sensibilidade”. Para adultos, “credibilidade sugestiva, certeza sugestiva”.
Vale dizer que, para os estudos observacionais aqueles em que não há intervenção direta dos pesquisadores, somente uma observação e correlação posteriores, a credibilidade da evidência foi classificada da seguinte maneira: convincente, altamente sugestiva, sugestiva, fraca ou não significativa.
Para o caso dos estudos randomizados controlados resumidamente, pesquisas em que os participantes são aleatoriamente distribuídos para receber ou não uma substância, ou seja, há um grupo controle, que não toma uma determinada droga e que serve como comparação para o grupo que toma, o grau de certeza sobre a evidência passa por alto, moderado, baixo ou muito baixo.
Os cientistas dizem acreditar que a convergência de evidências entre estudos observacionais e randomizados feita por eles fortalece os achados da revisão.
(Caso você esteja se perguntando, sim, existe uma diferença entre meta-análises a base da revisão aqui noticiada e revisões sistemáticas, algo que é mais comumente visto por aí. Resumidamente, as meta-análises se apoiam mais amplamente em metodologia estatística para analisar e tirar conclusões de diversos estudos já publicados.)
De forma geral, pode-se dizer que a revisão das meta-análises observou que a maior parte dos resultados associados ao uso de canabinoides é amparada por evidências fracas (aqui considerados estudos observacionais), por certeza baixa ou muito baixa (considerados aqui ensaios clínicos randomizados) ou por evidências não significativas (levando em conta ambos os tipos de estudo usados na revisão).
O apontamento de que certos grupos devem evitar o uso da substância vem de evidências convincentes e convergentes, dizem os autores da revisão. Tais evidências apontam, segundo os cientistas, que o uso de Cannabis é associado a problemas de saúde mental e cognição e a aumento no risco de acidentes de carro. Além disso, o uso durante a gravidez pode ser prejudicial para bebês.
“Outras associações entre Cannabis e resultados de saúde não são apoiadas por evidências convergentes ou convincentes”, dizem os autores da revisão.
Os pesquisadores, inclusive, fazem uma comparação entre a Cannabis e o álcool. Ele citam a incongruência no tratamento legislativo dado aos dois itens em várias partes do mundo, especialmente considerando os efeitos negativos do álcool já amplamente conhecidos em todas as faixas etárias. Enquanto isso, os danos relacionados à Cannabis se concentram entre os 10 e 24 anos, dizem os cientistas.
“Além disso, até onde sabemos, o álcool não tem papel como tratamento médico, enquanto nossa pesquisa mostra que os canabinoides podem ter efeitos benéficos em condições clínicas específicas”, afirmam os pesquisadores. “A justificativa (científica) por trás de abordagens legislativas extremas ou ideológicas, como a legalização completa e comercialização da Cannabis, mesmo para adultos jovens, versus a proibição completa, e os diferentes requisitos legislativos entre Cannabis e álcool para divulgar aos consumidores os riscos associados, permanece incerta.”
CAUTELA AO LER OS RESULTADOS
Como todo estudo, há limitações que devem ser levadas em conta nos resultados encontrados. Para começar, ao se tratar de um tema que ainda é tido como tabu em diversas regiões do mundo, ao se falar de Cannabis e seu uso, acabamos colocando no mesmo pacote uma grande diversidade de tipos de Cannabis disponíveis, tanto legal quanto ilegalmente.
Os cientistas citam, por exemplo, a questão do tetrahidrocanabinol (THC) um dos diversos canabinoides da Cannabis e o responsável por deixar as pessoas “chapadas”, que pode variar consideravelmente entre as substâncias obtidas legal e ilegalmente.
Além disso, evidências de uma década atrás (a revisão considerou meta-análises publicadas de 2002 a 2022) podem não ser representativas da Cannabis disponível legal e ilegalmente hoje, normalmente rica em THC.