Da Redação
Um grupo formado por 58 pesquisadores de diferentes regiões do país encaminhou à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) um relatório técnico com sugestões para atualizar e aprimorar as normas que regulam o cultivo de cannabis destinado à pesquisa científica e ao uso terapêutico no Brasil.
A proposta tem como objetivo contribuir para o debate regulatório a partir de dados científicos recentes e da realidade enfrentada por universidades, centros de pesquisa e profissionais que atuam na área. Entre as instituições que assinam o documento está a Universidade Federal de Lavras (UFLA), por meio do Centro Biotecnológico de Plantas Psicoativas (CBPP), referência nacional nesse campo de estudo.
Coordenado pela professora Vanessa Cristina Stein, do Departamento de Biologia do Instituto de Ciências Naturais, o CBPP defende a criação de um marco regulatório mais compatível com os riscos reais envolvidos na pesquisa com a Cannabis sativa. Segundo o grupo, as regras atuais impõem obstáculos desproporcionais ao avanço científico.
Entre as principais sugestões estão a simplificação de exigências burocráticas, a substituição de autorizações individuais por projeto por permissões institucionais e a reavaliação de parâmetros técnicos que não possuem consenso internacional. Um dos pontos destacados é o limite de 0,3% de THC, substância associada aos efeitos psicoativos da planta. Para os pesquisadores, esse teto ignora tanto a diversidade genética da cannabis quanto os diferentes objetivos científicos e terapêuticos das pesquisas.
O documento também enfatiza a relevância de estudos conduzidos em ambientes reais, inclusive aqueles realizados em parceria com associações de pacientes. A avaliação é que esse tipo de pesquisa amplia o conhecimento científico e contribui para o desenvolvimento de tratamentos baseados em evidências, especialmente no âmbito da saúde pública.
Assinam o material especialistas de áreas como agronomia, genética vegetal, química analítica, farmacologia, toxicologia, neurociências, medicina, saúde pública e pesquisa clínica. Os profissionais estão vinculados a universidades públicas, comunitárias e privadas, além de institutos federais e centros de pesquisa espalhados pelo país.
Especialista aponta falta de regulamentação como principal entrave
Em entrevista ao Jornal Opção, o advogado Wesley César, especialista em regulação da cannabis, avalia que o maior problema jurídico no Brasil não está na Constituição, mas na ausência de normas claras por parte dos órgãos federais.
Segundo ele, tanto a Anvisa quanto o Ministério da Agricultura ainda não conseguiram estabelecer regras objetivas de regulamentação e fiscalização, mesmo após decisões do Superior Tribunal de Justiça que estipularam prazos para isso. Para o advogado, o direito à pesquisa científica e à saúde já está garantido constitucionalmente, mas falta transformar esse entendimento em normas práticas.
Wesley César afirma que a definição de limites técnicos, como os percentuais de THC e CBD, não depende de alteração legislativa. Na avaliação dele, cabe à Anvisa estabelecer quais parâmetros serão aceitos, quem pode conduzir pesquisas e sob quais condições. A ausência dessas definições, segundo o especialista, gera insegurança jurídica e impede o avanço do setor.
Ele também destaca que não há clareza sobre quais tipos de instituições podem realizar pesquisas, sejam universidades, associações, empresas privadas ou órgãos públicos como a Embrapa, o que amplia as dificuldades para o desenvolvimento científico no país.
Cânhamo sem THC aparece como possível alternativa
Durante a entrevista, o advogado citou uma pesquisa recente realizada por uma universidade norte-americana que desenvolveu o BEDG, uma variedade de cânhamo sem presença de THC ou CBD. De acordo com ele, essa alternativa poderia ajudar a destravar o debate regulatório no Brasil, já que elimina o principal ponto de preocupação dos órgãos de controle.
O cânhamo, que também é utilizado em setores como a construção civil, teria fácil identificação visual e não conteria compostos psicotrópicos, o que facilitaria a fiscalização e reduziria riscos de desvio. Para Wesley César, experiências internacionais mostram que é possível conciliar controle rigoroso e desenvolvimento econômico quando existem regras bem definidas.
Ele alerta que manter um modelo excessivamente restritivo pode gerar prejuízos ao país no futuro. Na avaliação do especialista, o Brasil reúne condições para se tornar um dos grandes produtores mundiais e gerar empregos, renda e produtos medicinais. O risco, segundo ele, é a falta de regulamentação impedir qualquer avanço.






