Da Redação
Em um ano repleto de novidades, tendências e disputas acirradas no audiovisual, nenhuma trajetória ganhou tanta força quanto a de Fernanda Torres. Em 2025, a atriz se tornou protagonista de um fenômeno raro: atravessou fronteiras, furou a bolha de Hollywood e assumiu um lugar de destaque num circuito normalmente reservado a nomes de grandes estúdios e estrelas globais. Foi o tipo de virada que não apenas celebra um talento individual, mas também desafia a lógica que há décadas limita a presença latino-americana em premiações internacionais.
A indicação ao Oscar por Ainda Estou Aqui simbolizou o auge dessa onda. O filme havia estreado no fim de 2024, causando impacto imediato entre críticos e plateias. A interpretação de Fernanda como Eunice Paiva foi descrita como um trabalho de extrema precisão — um equilíbrio entre força e contenção que sintetiza toda uma vida dedicada ao palco, à televisão e ao cinema. O Globo de Ouro e o Satellite Award, ambos vencidos por ela, mostraram que o reconhecimento não era apenas entusiasmo passageiro: havia consistência, rigor e uma atuação que se impôs em meio a competidoras com muito mais acesso ao mercado internacional.
Nada disso, porém, foi fruto de acaso. Herdeira da tradição artística de Fernanda Montenegro e Fernando Torres, Fernanda cresceu dentro do teatro. Começou cedo no Tablado, aprendeu a lidar com voz, corpo e tempo cênico, e ainda adolescente estreou nos palcos. Desenvolveu uma carreira múltipla, oscilando entre montagens exigentes — como Rei Lear e A Casa dos Budas Ditosos — e novelas e séries que a transformaram em rosto popular. Em 2004, conquistou o Prêmio Shell e consolidou o tipo de profundidade que, anos depois, faria tanta diferença diante das câmeras.
Paralelamente, ampliou sua atuação para a escrita e para o audiovisual. Fim, seu romance publicado em 2013, ganhou traduções e adaptação; em séries como Os Normais e Tapas e Beijos, mostrou domínio absoluto do humor. Essa versatilidade a tornou reconhecível em diferentes públicos, mesmo quando suas personagens exigiam nuances específicas da realidade brasileira.
No cinema, porém, sua presença sempre ganhou camadas extras. De Inocência a Eu Sei Que Vou Te Amar — que lhe rendeu prêmio em Cannes — passando por Terra Estrangeira, Casa de Areia e O Que É Isso, Companheiro?, Fernanda construiu uma filmografia sólida, coerente e marcada por escolhas ousadas. Quando chegou Ainda Estou Aqui, parecia que todas essas experiências haviam se alinhado. Era o papel certo no momento exato, interpretado por uma artista madura e em pleno domínio do ofício.
Com a temporada de premiações, veio também a transformação pública. No exterior, Fernanda chamou atenção não apenas pela atuação, mas pela postura: discreta, elegante, resistente à autopromoção. Seu estilo minimalista e sua recusa a performances fora das telas construíram uma figura que transitava com naturalidade entre o glamour dos tapetes vermelhos e a sobriedade de quem conhece profundamente o próprio caminho. O prestígio a levou ao júri do Festival de Veneza, um reconhecimento simbólico e estratégico.
Mesmo após meses entre viagens, eventos e painéis, Fernanda não diminuiu o ritmo ao voltar ao Brasil. Iniciou as filmagens de Os Corretores, dirigido por Andrucha Waddington, com quem já havia trabalhado em obras marcantes. Desta vez, além de protagonizar, ela também assina o roteiro — um passo que evidencia a expansão de sua atuação dentro da indústria.
Assim, 2025 termina com Fernanda Torres não apenas como destaque de um ciclo de premiações, mas como símbolo de algo maior: um rearranjo possível no entendimento internacional sobre o talento brasileiro. Sua trajetória mostra que é possível ocupar o mundo sem abandonar a densidade local, sem suavizar sotaques ou simplificar complexidades. O futuro ainda é incerto, mas a certeza é que o cinema brasileiro ganha, com ela, uma porta aberta — talvez a mais importante em muitos anos.






