Da Redação
A emissão da primeira Carteira Nacional de Habilitação para motos e carros vai mudar de forma significativa. Após o Congresso derrubar o veto à Lei 15.153/2025, o teste toxicológico — antes obrigatório apenas para motoristas profissionais das categorias C, D e E — passa a ser uma etapa obrigatória também para candidatos das categorias A e B.
Na prática, qualquer pessoa que decidir iniciar o processo de habilitação deve comprovar, por meio de laudo laboratorial, que não fez uso contínuo de drogas como maconha, cocaína, anfetaminas e derivados de ópio em um período que pode chegar a até 180 dias, dependendo do tipo de material coletado. O exame analisa fios de cabelo, pelos ou unhas para identificar consumo prolongado.
A decisão movimentou Detrans, clínicas e forças de segurança, que agora ajustam seus fluxos para incorporar a nova exigência. A orientação inicial dos departamentos estaduais é que a coleta toxicológica seja integrada ao exame médico e psicológico já feito na etapa inicial da CNH. A ideia é simplificar o percurso do candidato. Porém, em estados onde a rede de laboratórios é limitada, a adaptação tende a ser mais lenta.
Com o novo procedimento, o candidato precisa agendar sua avaliação de aptidão física e mental e, no mesmo processo, será direcionado a um ponto de coleta credenciado. Os laudos devem ser processados por laboratórios homologados pela Senatran. A integração de sistemas é uma peça-chave: os resultados vão diretamente para o Renach, banco de dados nacional de habilitações.
As polícias — Militar, Rodoviária Federal e guardas municipais ou SET — seguem com o modelo atual de fiscalização no trânsito, como blitz de alcoolemia, perícias em acidentes e abordagens motivadas por suspeita. Ou seja, o teste toxicológico funciona como filtro anterior à entrada do novo motorista no trânsito, enquanto as operações de rua continuam independentes da mudança.
Nos bastidores, órgãos estaduais e federais discutem como viabilizar toda a logística: convênios com laboratórios, padronização da cadeia de custódia das coletas, auditorias frequentes e treinamento de servidores para verificar autenticidade dos laudos. Entre os desafios já apontados estão ampliação da capacidade de atendimento, controle rigoroso de clínicas e pontos de coleta e atendimento em regiões mais afastadas.
O tema das multas também voltou ao debate. No Brasil, dirigir sob efeito de drogas já é infração gravíssima, com multa superior a R$ 2.900, suspensão da carteira e possibilidade de cassação em caso de reincidência. No campo criminal, o Código de Trânsito prevê detenção caso haja alteração psicomotora comprovada. O novo exame, porém, não funciona como acompanhamento contínuo: ele é apenas porta de entrada. Assim, especialistas alertam que um candidato pode suspender o uso por alguns meses, obter resultado negativo, conquistar a CNH e depois retomar o consumo sem nova triagem até a próxima renovação.
Outro ponto sensível envolve o preço. Estimativas apontam que o teste custará entre R$ 100 e R$ 200. Para quem tem baixa renda, isso pode ser um obstáculo, mesmo com a previsão de financiamento via programas de CNH Social. O problema é que a lei ainda não definiu claramente como o subsídio será aplicado.
Há também o impasse dos medicamentos controlados. O exame detecta metabólitos de remédios usados por pessoas com TDAH, dores crônicas ou condições que exigem opiáceos ou estimulantes. Até agora, não há regra específica para distinguir uso terapêutico de uso abusivo. A lacuna deve gerar discussões administrativas e ações judiciais. Especialistas defendem contraprova obrigatória, prazo curto para recurso e validação de receitas com CRM antes de qualquer decisão definitiva. Para eles, leitura de concentração e frequência — e não apenas presença da substância — ajudaria a tornar o processo mais justo.
A experiência internacional mostra que a combinação entre triagem e fiscalização contínua é mais eficaz. Países europeus adotam testes em blitz e regras rígidas de tolerância zero, enquanto Austrália e Alemanha exigem avaliações extras para motoristas reincidentes. A conclusão é que, sem fiscalização consistente, o exame inicial perde força.
Para que a novidade funcione no Brasil, especialistas propõem um pacote de medidas: ampliação e auditoria da rede de laboratórios, contraprova gratuita para casos de impacto social, programas de isenção para baixa renda, campanhas educativas e monitoramento anual dos resultados, incluindo número de CNHs negadas, quantidade de acidentes ligados ao consumo de drogas e demandas por recursos.
A mudança entrou em vigor como política pública, mas sua efetividade dependerá, sobretudo, de como os estados vão conseguir implantar, fiscalizar e integrar o novo modelo em sua rotina.






