BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aguarda o julgamento do acordo entre União e Axia (ex-Eletrobras) no STF (Supremo Tribunal Federal) para destravar um socorro financeiro para a Eletronuclear, empresa estatal responsável pelas usinas de Angra 1 e 2 e que pode ter um furo no caixa nas próximas semanas.

Segundo técnicos do governo, a validação do acordo, independentemente do alcance da decisão dos ministros, deve abrir caminho para a emissão de R$ 2,4 bilhões em debêntures da Eletronuclear, que poderá usar o dinheiro para quitar um empréstimo contraído nos últimos meses e ganhar fôlego.

O acordo obrigava a compra das debêntures pela Axia, mas, com a recente venda da participação na estatal, essa obrigação será repassada à Âmbar Energia, braço do grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista.

A interlocutores, representantes do grupo afirmam que o compromisso assumido será cumprido, mas os trâmites da emissão dependem da Eletronuclear. Procurada, a J&F não se manifestou.

Viabilizar a emissão das debêntures é uma das prioridades do governo nesta reta final do ano, já que a Eletronuclear enfrenta graves dificuldades financeiras. Como mostrou a Folha de S.Paulo, a estatal alertou o Executivo do risco de rombo no caixa e pediu, no fim de outubro, um socorro de R$ 1,4 bilhão ao governo para honrar pagamentos que vencem até o fim de 2025.

Em ofício encaminhado à ENBPar, empresa pública por meio da qual a União controla as usinas, o comando da Eletronuclear alertou para o risco de “colapso operacional e financeiro”.

A empresa precisa quitar, neste mês, uma dívida de R$ 570 milhões com os bancos BTG Pactual e ABC Brasil, contraída para viabilizar melhorias para a prorrogação da licença de operação de Angra 1 por mais 20 anos. Essas ações deveriam ter sido bancadas com os recursos das debêntures, mas a emissão não saiu do papel.

Vem daí a urgência do governo em selar o acordo no STF. A análise do tema em plenário começou na quinta-feira (4), e os ministros se dividiram entre referendar todo o documento ou apenas o trecho relativo ao poder de voto da União nos conselhos de administração e fiscal da Axia, sem dar a chancela do Supremo à parte financeira.

O acerto no STF ainda prevê a rescisão do acordo de investimentos em Angra 3, firmado no âmbito do processo de privatização da então Eletronuclear. Na prática, o parceiro privado ficaria desobrigado de arcar com parte das despesas das obras, caso o governo decida pela continuidade da construção.

O placar na Corte tem cinco votos pela homologação total, o que inclui as cláusulas financeiras, e outros quatro por uma validação restrita à discussão sobre o voto estatal na Axia. Falta o pronunciamento do ministro Luiz Fux, previsto para a próxima quinta (11).

Os envolvidos na discussão afirmam que a conclusão do julgamento é necessária para a emissão das debêntures. O placar pode terminar empatado e, segundo a assessoria de imprensa do STF, é necessário esperar o resultado para saber qual será o encaminhamento.

Interlocutores do governo afirmam que, mesmo que o STF não homologue o trecho sobre as debêntures, será possível destravar a operação. A interpretação neste caso é que os ministros não estão invalidando o acordo, apenas dizendo que não cabe ao STF dar aval –o que deixa aberta a porta para o acerto extrajudicial já firmado.

Técnicos chegaram a questionar internamente a possibilidade de prosseguir com a emissão das debêntures com base nessa leitura de que a maioria do Supremo já entendeu que o acordo é legítimo, mas ainda não há uma decisão fechada nesse sentido. Como o julgamento será retomado no dia 11, a orientação é deixar tudo preparado para que, quando proclamado o resultado, a operação seja efetivada.

Os recursos obtidos com a emissão das debêntures serão usados nos investimentos em Angra 1, que hoje é uma importante fonte de receitas para a Eletronuclear. Como o empréstimo dos bancos foi contratado para viabilizar o cronograma dessas ações, ele poderá ser quitado com os recursos da operação.

A licença anterior para a operação de Angra 1 venceu em 2024, e o objetivo do governo é continuar operando a unidade. Para isso, a usina obteve uma licença de mais 20 anos (até 2044), condicionada a investimentos a serem implementados em fases. Caso eles não sejam feitos, a autorização pode ser cassada.

Um complicador para a discussão das debêntures é que o alívio vai durar pouco para a Eletronuclear. Estudos feitos pelo governo mostram que a empresa dificilmente terá condições de pagar essa dívida.

O acordo prevê que elas são conversíveis em ações, ou seja, futuramente a J&F pode acabar com uma participação maior na empresa, caso o governo não faça uma injeção semelhante de recursos para evitar a diluição da União na participação acionária na Eletronuclear.

A Eletronuclear era uma subsidiária da Eletrobras, que foi privatizada durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) e rebatizada como Axia. O braço nuclear, porém, permaneceu sob controle estatal porque a Constituição impede a exploração dessa fonte de energia por empresas sob controle de entes privados.

Por causa das usinas sob seu guarda-chuva, a Eletronuclear tem uma série de obrigações financeiras –como a necessidade frequente de compra de combustível e dívidas assumidas para manutenção e investimentos.

A empresa tem uma dívida acumulada com a INB (Indústrias Nucleares do Brasil), mas acertou o repasse de aproximadamente R$ 80 milhões por mês para manter o fornecimento do insumo. Sem a emissão das debêntures, até esse fluxo poderia ficar ameaçado, gerando o risco de colapso operacional.

Além da questão de curtíssimo prazo, o principal desafio da Eletronuclear são as obras de Angra 3, que se arrastam há 39 anos e estão paralisadas desde a Operação Lava Jato. O governo precisa decidir entre gastar R$ 24 bilhões para concluir as obras ou até R$ 26 bilhões para enterrar o projeto de vez.