SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Lama, terra seca e fios d’água correndo no reservatório Jaguari-Jacareí, o maior do sistema Cantareira, ajudam a dar uma dimensão do problema de abastecimento na região metropolitana de São Paulo. A represa, que ajuda a abastecer 9 milhões dos 21,6 milhões de habitantes na região, tinha 17,6% de volume armazenado na última sexta-feira (5). É a menor marca desde o período da crise hídrica da década passada.

Localizado em Joanópolis, a cerca de 120 km da capital paulista, o reservatório Jaguari-Jacareí é formado por duas represas. Compõe, com Cachoeira, Atibainha e Paiva Castro, o sistema Cantareira, com capacidade de aproximadamente 982 bilhões de litros, cujo volume armazenado na última sexta era de 20,2%. O nível equivalente inclui o reservatório Águas Claras, em Caieiras (SP).

Dezembro é o terceiro mês de operação do Cantareira na faixa de restrição, a quarta de cinco níveis, do normal ao mais grave, segundo regras de resolução da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) e da SP Águas (antigo Daee). Como não deve haver chuvas acima da média, segundo as previsões, o cenário continua ruim para enfrentar o próximo período seco, afirmam especialistas ouvidos pela reportagem.

O sistema entrou em alerta (faixa 3) em setembro, com nível inferior a 40%, o que não acontecia desde dezembro de 2022. A faixa 4 (restrição) é a última antes da especial, a mais grave, acionada quando a capacidade do sistema fica abaixo de 20%.

Sem sinais de recuperação, segundo comunicado da SP Águas, o sistema deve permanecer na faixa de restrição durante todo o mês de dezembro. Ao longo dos anos, o Cantareira também passou a receber água do rio Paraíba do Sul, no Rio de Janeiro, por meio de transposição da Usina Hidrelétrica Jaguari para Atibainha. A medida só pode ser acionada quando o volume armazenado fica abaixo de 30%.

Agora interligado e com o apoio de obras como a captação de água no rio Itapanhaú, na Serra do Mar, o Sistema Metropolitano (SIM) é considerado mais resiliente do que na década passada. Na última sexta, painel da SP Águas indicava 25,18% de volume armazenado.

A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmou, por meio de nota, que acompanha a situação dos reservatórios e recursos hídricos do estado, com base em protocolos técnicos e preventivos definidos no Plano Estadual de Segurança Hídrica.

Quanto ao nível do reservatório Jaguari-Jacareí, o governo disse que “reflete dois anos consecutivos de chuvas abaixo da média histórica, sobretudo nos períodos úmidos, essenciais para a recuperação dos mananciais. Ainda assim, as projeções indicam possibilidade de recuperação no próximo ciclo chuvoso, condicionada ao regime de precipitações e à continuidade das medidas de gestão em andamento”.

O governo ainda destaca que o sistema atual é mais resiliente e que a redução de pressão noturna, em vigor desde agosto, já gerou economia de “44,34 bilhões de litros de água —volume suficiente para abastecer cerca de 7,78 milhões de pessoas por um mês”.

Diante da chuva abaixo da média de novembro, o governo e a Sabesp (companhia de saneamento) informaram que anteciparam a operação plena, prevista para junho de 2026, da captação de água do Itapanhaú, a um custo total de R$ 300 milhões, segundo a companhia. Desde o dia 1º de dezembro, a obra transfere até 2.500 litros por segundo para o Sistema Alto Tietê, o que “representa cerca de 17% de incremento no volume de água disponível no reservatório”, diz a nota.

Mas a situação de escassez crônica, causada pela alta densidade demográfica e seu consequente consumo de água na região metropolitana, vai continuar a pressionar os sistemas. O cenário também tem levado a Sabesp a prever medidas, além de novas obras de interligação, como a recarga de mananciais com água servida de esgoto tratado.

A previsão de chuva para os próximos meses é preocupante. Boletim de novembro do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) para a região do sistema Cantareira indica que se o volume de chuva ficar na média, o sistema chega ao final de março com nível de 54%.

Mas a previsão é de volumes totais provavelmente abaixo da média histórica. Caso a quantidade de chuva acumulada fique 25% abaixo da média, o Cantareira pode encarar o começo do próximo período seco com 35% da sua capacidade. Se chover metade da média, começa abril de 2026 com 20% de volume armazenado.

“A recuperação, se tivermos chuvas na média em dezembro, seria pouca. E o Cantareira ainda ficaria na faixa de operação de restrição”, afirma Adriana Cuartas, pesquisadora em hidrologia do Cemaden.

A pesquisadora não vê um risco de colapso no momento, mas alta chance de algum tipo de racionamento para preservar as reservas atuais. “Minha recomendação é sempre trabalhar com os cenários mais pessimistas, principalmente porque os níveis dos reservatórios estão muito críticos.”

Para o coordenador administrativo do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas), Amauri Pollachi, a situação também se mostra pior pela comparação do período, já que no ano passado, ele aponta, estava entre 45% e 50%.

O especialista também lembra dos recordes de retirada de água do sistema metropolitano pela Sabesp, como mostrou reportagem da Folha de S,Paulo. Segundo levantamento do Instituto Água e Saneamento, o número chegou a 72 m³/s (72 mil litros por segundo), o que Amauri considera injustificado. Em posicionamento anterior, a Sabesp havia afirmado que a demanda cresceu junto com o crescimento da população atendida na capital paulista e na Grande São Paulo. Pollachi afirma que uma das causas pode ser o aumento de perdas por manutenção insuficiente.

O Ondas sugere a adoção de uma tarifa de contingência, que ataca a redução do consumo pela demanda. Ou seja, quem gasta menos é beneficiado com desconto na conta de água, e quem gasta mais, é penalizado com um acréscimo no valor. Ele também afirma que o rodízio seria uma medida, apesar de grave, aplicada de forma igualitária aos consumidores.

À reportagem, a Sabesp destacou a importância da conscientização da população nesta época de escassez. “Com o uso consciente da água, uma família de três pessoas pode reduzir seu consumo mensal de 31,3 mil litros para cerca de 9.300 litros, adotando práticas simples e eficazes”, disse, listando algumas, como diminuir o tempo de banho e fechar a torneira quando lavar a louça.

Sobre perdas, a companhia não citou o volume de água que se perde no sistema, apenas enfatizou que, desde a desestatização, em 2024, destinou R$ 1 bilhão ao combate a perdas, fraudes e ligações clandestinas, com meta de alcançar R$ 9 bilhões até 2029.