SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Dois homens armados invadiram a biblioteca Municipal Mário de Andrade, na Consolação, região central de São Paulo, por volta das 10h15 deste domingo (7). Obras de arte foram levadas e os bandidos fugiram, informou a Polícia Militar.
A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB), responsável pela biblioteca, informou que foram roubadas oito gravuras de Henri Matisse e cinco de Candido Portinari, da obra “Menino de Engenho”, pertencentes à exposição “Do livro ao museu: MAM São Paulo e a Biblioteca Mário de Andrade”.
A reportagem apurou que a ação ocorreu por volta das 10h. Um dos criminosos anunciou o roubo ao mostrar a arma debaixo da blusa para uma das seguranças da biblioteca, que estava desarmada.
Ela foi levada para uma sala onde foi obrigada a entregar o rádio de comunicação e o celular. Enquanto isso, o outro suspeito retirou os oito quadros de Matisse da parede.
A dupla seguiu até um mostruário de vidro, onde estavam as demais gravuras roubadas. Eles usaram uma sacola de lona para guardar as obras de arte antes de fugir pela porta principal.
Segundo a polícia, um casal de idosos que visitava a exposição também foi rendido pelos ladrões.
Os suspeitos fugiram em direção ao metrô Anhangabaú, de acordo com a corporação. Um dos ladrões vestia calça jeans surrada e camisa vermelha. O outro estava de calça jeans, blusa de moletom azul e boné azul.
Vigilantes correram para pedir ajuda a policiais militares que patrulhavam a região, mas os suspeitos não foram localizados. A PM informou que o prédio da biblioteca e os arredores foram patrulhados e que equipes buscam identificar os autores do crime.
No momento do roubo, o local estava aberto ao público. Este domingo era o último dia da mostra que reúne livros raros, obras das décadas de 1940 e 1950 e fotografias que retratam a produção moderna no país.
Segundo a Secretaria de Cultura e Economia Criativa da cidade, “as obras expostas contam com apólice de seguro vigente” e “o local dispõe de equipe de vigilância e sistema de câmeras de segurança. Todo o material que possa servir à investigação está sendo fornecido para as autoridades policiais”.
Cauê Alves, curador-chefe do MAM e da mostra, disse que a exposição contava com 20 obras. Parte dos quadros roubados pode ser vista em vídeo sobre a exposição divulgado em página oficial da biblioteca em rede social.
Os quadros de Matisse roubados estavam logo na entrada da exposição. Na comparação entre a foto e um vídeo postado pela biblioteca nas redes sociais, é possível identificar entre as obras subtraídas estão colagens do álbum “Jazz”, publicado em 1947 na França pelo artista francês.
Elas são consideradas um conjunto raríssimo, já que existem apenas 250 exemplares originais espalhados pelo mundo -no Brasil, apenas 2-, explica o crítico de arte e curador Tadeu Chiarelli. “O valor cultural e artístico é incalculável”, diz. “Muito triste esse roubo ocorrido na biblioteca Mário de Andrade, um monumento ao saber implantado no meio de São Paulo”, continua.
A mesma avaliação se estende às obras de Portinari roubadas, um dos principais artistas brasileiros do século passado, segundo Chiarelli. “São obras raras, dificilmente alguém irá comprá-las”, diz.
MESMO ÁLBUM JÁ FOI FURTADO E RECUPERADO
A mesma edição do álbum de gravuras “Jazz”, de Matisse, já havia sido alvo de furto do acervo municipal. Adquiridas no final da década de 1940, as ilustrações estavam em posse da biblioteca havia dez anos.
A data exata do primeiro furto não é conhecida. As imagens, que deveriam estar com a biblioteca municipal paulistana, foram encontradas no fim de 2006 pela Polícia Federal da Argentina. A obra foi achada em um lote de cerca de 60 livros raros que, segundo o noticiário da época, haviam sido furtados de diversas instituições brasileiras.
Os ladrões estariam tentando cruzar a fronteira com a Argentina em Foz do Iguaçu (PR) quando foram barrados por autoridades da alfândega vizinha. A PF informou, à época, que “Jazz” era, de longe, a peça mais cara do conjunto de obras apreendidas.
A Biblioteca Mário de Andrade passou seis anos com a versão falsa em seu acervo, chegando a emprestá-la para uma mostra em homenagem a Matisse na Pinacoteca do Estado de São Paulo, em 2009.
O livro verdadeiro de Matisse só foi devolvido ao acervo paulistano cerca de nove anos após a apreensão. Primeiro, ficou cerca de cinco anos em posse das autoridades argentinas. Apenas em 2011 o lote completo foi retirado do país vizinho pela Polícia Federal.
A biblioteca inicialmente recusou a ideia de que as obras tinham sido furtadas, mas uma perícia demonstrou que as apreendidas eram as originais, e aquelas que ficaram no acervo eram falsas.
De 2011 a 2015, o álbum ficou depositado no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio. Em agosto de 2015, o então diretor da Mário de Andrade, Luiz Armando Bagolin, foi pessoalmente retirar a obra e trazê-la de volta a São Paulo.
‘JAZZ’ FOI FUNDAMENTAL PARA MODERNISMO BRASILEIRO
As ilustrações de Matisse eram o grande destaque da exposição que comemorava o centenário da Biblioteca Mário de Andrade. As imagens originais fazem parte de um livro de tamanho A3 (29,7 por 42 cm) encadernadas, que foram emolduradas para exposição.
A série foi concebida pelo artista francês durante a Segunda Guerra Mundial, na sua velhice e durante a recuperação de uma cirurgia para tratar um câncer. Como o artista não podia mexer com tinta devido ao tratamento pós-operatório, ele fez as imagens com recortes de papel colorido e colagem.
Obra fundamental do modernismo mundial, “Jazz” foi um marco no processo de institucionalização desse movimento artístico em São Paulo. A aquisição da obra foi um pontapé inicial para o processo que levou à criação do MAM-SP (Museu de Arte Moderna de São Paulo). A exposição, inclusive, fazia um resgate da ligação histórica entre as duas instituições.
Segunda maior biblioteca pública do país, atrás apenas da Nacional, a Mário de Andrade guarda quase 1,5 milhão de itens, somando livros, mapas e documentos.
Fundado em 1925 como Biblioteca Municipal de São Paulo e inaugurado em 1926 na Rua 7 de Abril, o patrimônio histórico da cidade foi transferido em 1942 para o prédio atual, projetado por Jacques Pilon.



