SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A prova da segunda fase do CNU 2025 (Concurso Nacional Unificado), aplicada neste domingo, seguiu o padrão esperado em seleções da FGV: questões técnicas baseadas em legislação combinadas com análises sociais amplas. Segundo Luiz Rezende, coordenador pedagógico do QConcursos, a estrutura confirma que o governo federal procura selecionar servidores que conheçam profundamente sua área, mas que também tenham visão cidadã e capacidade de conectar o conteúdo técnico aos principais problemas brasileiros.

Nas provas de nível médio, os candidatos precisaram desenvolver uma redação dissertativo-argumentativa, enquanto nos blocos de nível superior, cada prova teve duas questões.

No bloco 5 (administração), os candidatos tinham que avaliar os riscos éticos e impactos na credibilidade institucional quando o governo adota linguagem de redes sociais em suas publicações, como vídeos curtos com estética semelhante à do TikTok, estratégia que vem sendo usada em canais oficiais da União. A prova também pedia a elaboração de uma estratégia voltada ao público jovem.

A complexidade estrutural da prova também chamou atenção. Aragonê Fernandes, do Gran Concursos, comparou as questões a “bonecas russas”, pois cada questão contava com múltiplos pedidos dentro de um único enunciado. Esse formato, somado ao limite de 30 linhas por questões, afetou diretamente o gerenciamento de tempo dos candidatos.

O bloco 5 esteve entre os mais mencionados pelos alunos como ‘pesado’. A prova também trouxe uma cobrança técnica sobre orçamento e captação de recursos por organizações da sociedade civil.

Júlia Branco, professora do Estratégia Concursos, diz que a FGV buscou medir a capacidade de o candidato relacionar os temas específicos de sua área com questões sociais mais amplas: desigualdades, problemas urbanos, funcionamento das instituições públicas e implementação de políticas voltadas para reduzir vulnerabilidades.

O tema da redação para o bloco 9, de nível intermediário, foi mobilidade urbana. Carol Silva, 24, candidata a uma vaga na área de aviação, disse que teve dificuldades para se conectar ao tema. “Passo muito tempo em casa por conta de um auxílio-doença, e quando vi o tema, não sabia por onde começar. Não tenho muito contato com o trânsito ou transporte público no meu dia a dia, então foi um desafio. Tentei abordar a mobilidade no meu bairro, mas realmente não foi fácil”, afirmou.

Rafael Lima, 33, advogado e candidato a uma vaga na área jurídica, considerou que a prova foi bem interpretativa. “Não estava difícil, mas era mais sobre compreender os textos e a lógica das questões. O conteúdo não foi algo que exigisse um grande aprofundamento, mas mais uma análise crítica”, disse ele.

O QUE FOI COBRADO EM CADA BLOCO?

A prova do bloco 1 (seguridade social) focou temas transversais das políticas públicas nas áreas de saúde e assistência social. Segundo a professora Aline Menezes, do Gran Concursos, a primeira questão abordou especialmente os mecanismos de participação democrática, como conselhos e conferências.

“A questão foi bem tranquila e priorizou que o candidato falasse sobre participação social, tendo em vista a construção da democracia, da cidadania e da equidade”, diz a professora.

A segunda questão tratou da atuação de equipes interdisciplinares na proteção de grupos afetados por desastres climáticos e ambientais. Os candidatos precisaram discutir como as políticas de saúde e assistência social podem proteger essas populações. Para Vinicius Mota, professor do QConcursos, a prova também exigia que o candidato olhasse para além do imediato, e destacou que a transversalidade é uma característica recorrente da FGV.

No bloco 2 (cultura e educação), a primeira questão abordou conectividade significativa -conceito relacionado à ampliação das capacidades humanas- e pediu um exemplo que demonstrasse essa relação. Também tratou das desigualdades de acesso à conectividade entre brasileiros e da inclusão digital de grupos vulneráveis. A segunda questão discutiu a cultura como tema transversal e solicitou uma reflexão sobre políticas culturais mais participativas e inclusivas.

No bloco 3, foram abordadas novas tecnologias e seus efeitos econômicos e sociais, com foco na inteligência artificial. Os candidatos precisaram analisar impactos da aceleração da IA no mercado de trabalho e propor políticas públicas para reduzir efeitos negativos. A segunda questão pediu uma análise baseada em um texto sobre soberania digital e de dados no Brasil, seguindo o modelo característico da FGV de apresentar um texto-base e cobrar respostas a partir dele.

Apesar de ser voltado a áreas mais técnicas e práticas, o bloco 4 (engenharia e arquitetura) também trouxe cobranças relacionadas à sustentabilidade e à inclusão, foram cobrados temas como integração entre profissionais em projetos de construção e saneamento básico.

No bloco 5, de administração, a primeira questão cobrou domínio técnico de legislação orçamentária, especialmente sobre critérios de captação de recursos por organizações da sociedade civil e execução orçamentária do terceiro setor. Já a segunda abordou o tema da comunicação governamental nas redes sociais.

A primeira questão do bloco 6 tratou do desenvolvimento socioeconômico brasileiro e exigiu que o candidato apresentasse uma introdução sobre a evolução do mercado de trabalho no país. Ao todo, apenas na primeira questão do bloco, foram abordados seis pontos, o que, segundo especialistas do Gran Concursos, tornou essa uma das questões mais complexas da seleção.

A segunda questão discutiu o setor agropecuário brasileiro. De acordo com Eduardo Cambuy, alguns candidatos contestaram a cobrança por acreditarem que o tema não constava no edital. Ele afirma, porém, que, mesmo sem menção explícita, o assunto era esperado, já que costuma aparecer de forma recorrente quando se trata de desenvolvimento socioeconômico.

No bloco 7 (justiça e defesa), a primeira questão abordou conteúdos de direito internacional público e direito internacional humanitário, apresentados por meio de um estudo de caso. A segunda questão foi sobre o SUSP (Sistema Único de Segurança Pública) e o PNSPDS (Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social), cobrando a indicação de aspectos específicos dessas políticas.

Os candidatos também precisaram identificar órgãos de segurança pública federais e estaduais e explicar suas funções, além de comentar sobre a atuação das guardas municipais.

Segundo Daniel Lustosa, professor do QConcursos, o bloco 8 (área intermediária de saúde) apresentou uma redação sobre a ocupação irregular nas grandes cidades, agravada por movimentos migratórios e seus impactos na saúde. A proposta pedia a discussão do papel das autoridades governamentais na solução desses problemas. Para o professor, quem já atua na área provavelmente teve mais facilidade para desenvolver a resposta.

Ele aponta que poderiam ser mencionados aspectos como falta de infraestrutura, assentamentos precários, saúde mental, além de temas centrais como urbanização e regulação fundiária.

No bloco 9, de nível intermediário para a área de agências reguladoras, o foco recaiu sobre temas legislativos, segundo André Adriano, professor do QConcursos. As questões tratavam do papel do Estado na ampliação do acesso a transporte coletivo de qualidade e da atuação das agências reguladoras nesse processo.

Adriano destaca que era essencial não confundir essas atribuições: embora fosse possível citar a ANTT como exemplo, muitos candidatos corriam o risco de responder apenas sobre a atuação estatal, deixando de abordar especificamente o papel da agência, que era justamente o centro da pergunta.