SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Hestivenis Alves de Oliveira, o Nino, de 21 anos, está animado com a “Black Box” do Magazine Luiza neste mês. A varejista vai sortear entre os quase 13 mil funcionários da área de logística -incluindo 2.900 temporários-, prêmios como televisores, smartphones, geladeiras, micro-ondas e até dinheiro (R$ 500). É o primeiro sorteio para recompensar membros da equipe que não faltaram e bateram metas.
O salário de cerca de R$ 2.200 como auxiliar de movimentação de um dos centros de distribuição em Guarulhos, na Grande São Paulo, pode ser incrementado em 15% todo mês, por assiduidade e conquista de metas. No Natal, o incentivo chega a 30%. Mas Nino, que entrou em outubro como temporário e foi efetivado em novembro, diz que isso não é determinante. “Importa trabalhar em um lugar que trate a gente com respeito e empatia. Não é todo mundo que oferece isso.”
O exemplo do Magalu, de fazer premiações e bônus mensal a fim de atrair e reter mão de obra, não é isolado no varejo. Desde a pandemia, o setor registra dificuldade crescente de contratação, que piora nos dois últimos meses do ano, com Black Friday e Natal, quando os varejistas costumam concentrar 30% das suas vendas. Para atendê-las, as lojas aumentam as equipes em 20%, em média.
Mas agora, quando o Brasil atinge o menor patamar de desemprego desde 2012, com índice de 5,4% em outubro, a busca por um trabalhador temporário também bate recorde. Segundo a CNC (Confederação Nacional do Comércio), foram abertas 112,6 mil vagas temporárias neste fim de ano, o maior número em 12 anos. Varejo alimentar, vestuário e calçados são os segmentos mais demandados.
Pouco mais da metade das vagas são para vendedores, mas existe uma demanda represada para operadores de caixa, técnicos de vendas, almoxarife e armazenista -estas últimas ligadas mais à venda online. Neste sentido, diz Fábio Bentes, economista-chefe da CNC, o destaque está no salário médio de admissão, de R$ 1.983,54, acima da inflação do período, o que indica um aumento real de 2,7%.
“Essa valorização pode ser atribuída a um problema de escassez de mão de obra”, diz Bentes, que chama a atenção para outras vagas ao longo do ano, menos numerosas, mas cada vez mais difíceis de preencher.
São postos como operador de telemarketing, analista de pesquisa de mercado, analista de negócios, demonstrador de mercadoria, motorista, motociclista de transporte de volume. “São profissões que exigem uma habilidade um pouco maior do que a de vendedor e cuja remuneração tem crescido acima da média paga pelo varejo.”
De acordo com a CNC, das cem profissões mais contratadas pelo setor, 57% apresentam indícios de escassez –quando a ocupação cresce e o salário sobe acima da média do mercado de trabalho.
O Magalu, que tem cerca de 70% das suas vendas online e também trabalha como operador logístico, com o Magalog, tem sentido a dificuldade de encontrar mão de obra, mesmo não qualificada. Todos os 2.900 temporários contratados pelo grupo neste ano foram para logística, responsável por abastecer as cerca de 1.200 lojas da rede. A empresa afirma ter reajustado salários da área acima da inflação.
“Nós oferecemos curso de capacitação para a comunidade em cidades que são polos logísticos, como Extrema (MG)”, diz Wiliam Santos, diretor de gestão de pessoas da área logística do Magalu, que também usa recursos diferentes para atrair talentos, de acordo com a região do país.
“Nos grandes centros urbanos, como São Paulo, funcionam melhor as comunidades que o Magalu cria em plataformas de emprego, como Glassdor e Indeed”, afirma. Já no interior do país, a busca por posições como conferente e operador de máquina têm melhores resultados em perfis do Magalu no WhatsApp, Instagram e TikTok.
Daniel Sakamoto, gerente executivo da CNDL (Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas), destaca que o varejo tem dificuldade não só de contratar, mas de manter colaboradores. Na rede Supermercados BH, por exemplo, a quarta maior do varejo alimentar do país, que emprega 44 mil pessoas, existem 4.000 vagas em aberto. Já na Plurix, 11ª rede de supermercados do ranking, a rotatividade é de 50%.
“O trabalhador tem muita opção de vaga disponível e pode escolher o que for melhor para ele”, diz Sakamoto. As empresas, por sua vez, precisam manter permanentemente processos de seleção e treinamento. “Isso compromete a produtividade”, afirma o executivo, lembrando que hoje as pessoas buscam condições mais flexíveis de trabalho, algo que vai de encontro à escala puxada do varejo: são seis dias trabalhados e um de folga, com trabalho aos feriados e fins de semana, a escala 6×1.
Na Cobasi, o caminho para a retenção passa pela melhoria nas condições de trabalho. Líder do varejo para animais de estimação, e em processo de fusão com a Petz, a empresa alterou a tradicional escala do varejo e passou a oferecer o segundo domingo de folga no mês. Por lei, quem trabalha no comércio deve folgar ao menos um domingo.
O pacote de benefícios incluiu uma adaptação da chamada “short friday” (sexta-feira curta) para o “short saturday”: quem vai folgar no domingo pode encerrar mais cedo o expediente na véspera. Outra medida foi ampliar o vale-refeição, que passou a ser diário, no valor de R$ 25. Até então, a Cobasi se limitava a cumprir a lei, oferecendo o benefício apenas aos domingos trabalhados.
Na opinião de Jorge Gonçalves Filho, presidente do IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo), que reúne grandes redes do setor, não tem como fugir da “matemática”. “Se mudar escala e jornada, vai aumentar o custo”, afirma, lembrando que quem deve pagar a conta é o consumidor.
O executivo afirma que o setor gostaria de remunerar melhor os colaboradores, mas sente a carga tributária. “A linha de custos de despesas de pessoal é uma das mais elevadas: para cada R$ 1 que eu pago para o meu colaborador, custa mais R$ 1 para a empresa”, afirma Gonçalves Filho, contrário à ideia de fechar o varejo aos domingos. “Os vendedores são heróis, ficam lá de pé, com um sorriso nos lábios. Ninguém gosta [de trabalhar sábado e domingo].”
A H&M, que inaugurou sua primeira loja no Brasil em agosto, é um exemplo de varejista que adotou a escala 5×2 para seus funcionários.
SUPERMERCADOS VÃO FECHAR AOS DOMINGOS NO ESPÍRITO SANTO
A Fecomercio (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) do Espírito Santo decidiu testar uma alternativa, a fim de diminuir o déficit de 20% de mão de obra no setor. Entre março e outubro de 2026, o varejo alimentar e as lojas de construção do estado vão fechar as portas todo domingo, conforme convenção coletiva de trabalho assinada em novembro. No acordo, também ficou definido um aumento salarial de 7%, acima da inflação.
“As pessoas buscam flexibilização, não querem trabalhar de fim de semana e preferem um emprego perto de casa, para não perderem tempo demais no trajeto”, diz José Carlos Bergamin, vice-presidente da Fecomercio. “Os modelos instituídos de carga horária precisam ser rediscutidos”, afirma. Na opinião do empresário, dono da rede Konyk, de moda jovem masculina, muitas lojas ficam abertas por longos períodos sem necessidade, especialmente depois da pandemia, quando cresceu a venda online.
“Pode haver uma redução de custos das lojas e uma melhora na qualidade de vida dos trabalhadores. É isso que será testado no ano que vem.”
Em todo o país, a Abras (Associação Brasileira de Supermercados) tem 357 mil vagas em aberto. “Ninguém quer ser caixa ou repositor de mercado”, diz o economista Leandro Rosadas, especialista em gestão de supermercados. Ele acredita que o uso de tecnologia, como a implantação de self-checkouts com vendas pelo WhatsApp com IA generativa, seja um caminho sem volta para o varejo em geral, a fim de compensar em parte a falta de profissionais.
“Mas tem coisas que a IA não faz, como repor prateleira ou cortar uma picanha”, afirma. Nesses casos, a única opção do varejista será aumentar salários e tentar compensar este custo com ganhos de eficiência em setores como consumo de energia e controle de embalagens, diz, além de renegociar contratos de aluguel e os preços com a indústria.
Levantamento online realizado pelo EDC Group, consultoria de recrutamento e seleção, indicou que garantir qualidade de vida no trabalho é um fator decisivo para 30% dos brasileiros na hora de buscar uma vaga ou se manter na atual empresa.
O estudo ouviu em outubro 476 profissionais de todo o país, de estagiários a diretores, de todos os níveis de escolaridade, e isolou o fator salário para entender o que mais importava além da remuneração. Trabalho remoto (14,5%) e trabalho híbrido (9%), que juntos somam 23,5% das respostas, indicam a flexibilidade da jornada como um diferencial competitivo. Contar com um plano de carreira (16,8%) vem na sequência. O pacote de benefícios foi destacado por apenas 8%.
Para Daniel Machado de Campos Neto, presidente do EDC Group, reajustes salariais têm efeito de curto prazo. “Depois de três ou quatro meses, a pessoa passa a reclamar de novo. Você aumenta R$ 200 e acha que fez muito, mas isso não segura ninguém”, diz ele, lembrando que a linha “casca dura” de chefia não funciona mais nem em funções voltadas à base da pirâmide social. “Aquela história de ‘engole o choro, abaixa a cabeça e trabalha’ não cabe mais no mundo moderno.”



