BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Uma disputa velada dentro do Poder Executivo ameaça uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT): a de zerar a fila do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
A quantidade de requerimentos à espera de análise alcançou o patamar recorde de 2,86 milhões em outubro, e há o risco de encostar nos 3 milhões até o fim deste ano.
Embora haja também fatores técnicos por trás do aumento, como o crescimento do número de pedidos e o represamento de análises por dificuldades operacionais da Dataprev, a briga entre os comandos do Ministério da Previdência Social e do INSS é considerada um entrave à adoção de melhorias na gestão da fila.
Ao longo dos últimos dias, a Folha conversou com oito pessoas envolvidas em algum grau nas discussões sobre a fila ou que se tornaram epicentro da queda de braço entre os dois órgãos.
De um lado, a Previdência Social, comandada pelo ministro Wolney Queiroz, vê atitudes de insubordinação do atual presidente do INSS, Gilberto Waller Jr., que foi nomeado diretamente por Lula no auge da crise das fraudes nos descontos de associações e sindicatos nas aposentadorias.
Na visão desse grupo, o presidente do instituto ignora o ministério em anúncios de governo, não mantém diálogo com a pasta e usa o órgão para promover sua imagem pessoal em viagens pelo país.
Alguns especulam até se Waller Jr. pretende se candidatar a cargo eletivo –o que o presidente do INSS nega. Por meio de nota, ele afirma que as viagens “são essenciais para conhecer as realidades regionais, ouvir os gestores locais e propor melhorias específicas” e diz que não é filiado a nenhum partido político.
De outro lado, o comando do instituto vê tentativas de sabotagem, acusa o ministério de querer derrubar a atual gestão do INSS e alimenta desconfianças sobre pessoas que já estavam na pasta quando estourou o escândalo dos descontos.
Queiroz era secretário-executivo do ex-ministro Carlos Lupi, e outros membros de sua equipe também já ocupavam cargos antes da Operação Sem Desconto. Eles sempre negaram envolvimento no caso.
No meio do fogo cruzado estão os trabalhadores que aguardam resposta ao seu pedido de benefício. A fila, que já vinha subindo na gestão de Alessandro Steffanutto –ex-presidente do INSS preso pela Polícia Federal sob suspeita de envolvimento nas fraudes–, agora alcança patamares recordes.
Procurado, o INSS diz que tem implementado “diversas medidas com o objetivo de enfrentar essa situação, como a realização de mutirões e, mais recentemente, a criação de um comitê de enfrentamento à fila”. O Ministério da Previdência Social não respondeu. A Folha também procurou a Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência), que não se manifestou.
Um dos episódios de desgaste foi a suspensão do pagamento do bônus a servidores por falta de dinheiro. O INSS recebeu verba de R$ 100 milhões para remunerar servidores por análise extra de processos administrativos, mediante a condição de priorizar a revisão de benefícios. A perícia médica, ligada ao ministério, recebeu o mesmo valor.
Segundo os relatos, sob a gestão de Waller Jr., o instituto acelerou a análise de requerimentos iniciais e deixou a revisão, que era o combinado, em segundo plano. Com isso, o dinheiro do bônus se esgotou mais rapidamente.
A partir disso, instaurou-se uma guerra de versões. Pessoas próximas ao presidente do INSS afirmam que ele só foi avisado do problema na véspera do dinheiro acabar. Mas técnicos da Previdência e do próprio instituto declaram ter feito alertas sobre o ritmo de execução do bônus até dois meses antes da suspensão.
O tema chegou a ser discutido no Palácio do Planalto em reuniões de controle das revisões de benefícios, com representantes da Casa Civil. Waller Jr. não compareceu, mas era representado por um diretor.
Um integrante da equipe econômica avalia que houve execução acelerada do bônus, em desacordo com o acertado com o governo.
A crise ainda gerou fissuras dentro do instituto. Waller Jr. culpa a diretora de Tecnologia da Informação, Lea Bressy, pelo episódio, já que a área dela cuida da gestão do atendimento. Pessoas próximas à diretora, porém, atribuem as acusações ao fato de que ela manteve diálogo com o ministério, o que desagradou ao comando do instituto.
Bressy chegou ao comando central do INSS na gestão de Stefanutto. Ao assumir o órgão, Waller Jr. a manteve no cargo e chegou a confiá-la a presidência substituta em sua ausência.
No início de novembro, nas férias de Waller Jr., Bressy fez nomeações que irritaram o presidente do instituto. Ele tentou tirá-la do posto, mas a decisão depende do aval do ministro da Previdência, que pediu mais explicações. Até agora, ela permanece na posição.
Um experiente técnico, que já atuou em diferentes governos, avalia que há dificuldades de diálogo entre os dois órgãos, que respingam até mesmo em questões burocráticas, como liberação de senhas a servidores do ministério para acessar dados do INSS.
Há pouco mais de duas semanas, Waller Jr. instituiu um comitê estratégico para reduzir a fila de pedidos do INSS, formado por sete servidores e coordenado por um membro do gabinete da presidência. A medida foi vista como uma forma de esvaziar as atribuições da diretoria de TI. Na Previdência, a reclamação é a ausência de representantes do órgão para tentar buscar uma solução conjunta para o problema.



