SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O acordo para compra bilionária da Warner Bros. Discovery pela Netflix, anunciado nesta sexta-feira (5), alarmou profissionais do mercado cinematográfico. Se a fusão se concretizar -ainda falta a aprovação das autoridades dos Estados Unidos-, a gigante do streaming terá monopólio de uma fatia grande do mercado audiovisual, e produtores podem ter menos chances de emplacar os seus projetos para que saiam do papel e ganhem as telas.
Além disso, há um temor generalizado pelas salas de cinema, que recuperaram a muito custo o público após a pandemia de Covid-19. Isso porque a Netflix prioriza o conteúdo por demanda, acessado online e em casa, em detrimento da tela grande. Seus lançamentos que chegam aos cinemas, como os recentes “Frankenstein” e “Casa de Dinamite”, não ficaram mais de três semanas em cartaz.
O cineasta Kleber Mendonça Filho disse em publicação no X (ex-Twitter) que vai continuar garantindo em contrato uma janela de pelo menos três meses nos cinemas para seus filmes. “Se as salas de cinema começarem a fechar, meu filme será exibido exclusivamente nas que irão permanecer, e nos países que defenderem frontalmente a experiência de ir ao cinema”, ele escreveu.
O diretor de “O Agente Secreto” e “Bacurau” afirmou que um filme pode ser exibido em cinemas de rua -citou o São Luiz, em Recife, o Glauber Rocha, em Salvador, e o Cine Brasília, entre outros- antes de chegar às plataformas digitais. Também disse que o streaming é “uma forma espetacular” de se assistir aos filmes, mas ele não pode ter “o poder de acabar com a cultura da sala de cinema. “São os cinemas que constroem o caráter e a história de um filme.”
Mauro Garcia, presidente da Brasil Audiovisual Independente, que agrupa mais de 600 produtoras no país, diz à reportagem que, do ponto de vista do produtor, é melhor quando há um leque maior de opções para negociar os projetos. “Quando há concentração, o risco para a produção independente é precisar negociar só com um [estúdio]”, afirma.
Com a compra da Warner Bros., a Netflix leva no pacote também a HBO, grande concorrente no mercado de séries, além de canais de TV como Warner Channel e Cartoon Network. Conforme as fusões entre essas grandes empresas americanas ficam mais frequentes, a tendência é de que as possibilidades de negócio diminuam, assim como a variedade de narrativas, afirma Garcia.
Nesse contexto, ele diz, se uma história for recusada pela Netflix, a probabilidade de ela ser rejeitada também por um outro estúdio que pertence à mesma empresa é bem maior. “A gente não sabe se os contratos virão centralizados, valendo para todas as plataformas, ou se cada marca vai poder operar individualmente. Mas esse risco existe.”
A Warner Bros., estúdio centenário, era um dos poucos a resistir à entrada agressiva das empresas de streamings e big techs em Hollywood -a MGM, por exemplo, foi comprada pela Amazon. André Sturm, presidente da rede Cinesystem e Belas Artes, diz que historicamente a Warner “se caracteriza por ser o estúdio de Hollywood que mais apoia cineastas, e hoje é o estúdio que ainda faz grandes lançamentos cinematográficos”.
A Netflix prioriza a entrada rápida dos títulos no streaming. Segundo ele, portanto, existe o risco de que daqui em diante filmes com o selo Warner Bros. fiquem pouco tempo no cinema.
O receio é compartilhado também por parte do mercado de exibições dos Estados Unidos. CEO da Netflix, Ted Sarandos se posicionou após o anúncio da fusão para tranquilizar esse setor da indústria cinematográfica, querendo dissipar os temores de que a operação signifique o fim da presença da Warner nas salas de cinema.
Sarandos afirmou que os filmes da Warner Bros. vão continuar a estrear nos cinemas. Mas também disse que, com o tempo, “as janelas vão evoluir para serem muito mais amigáveis ao consumidor, permitindo que o público tenha acesso aos filmes mais rapidamente.”
Para Sturm, a operação não só impactaria um parque exibidor já fragilizado pelas sequelas da pandemia e pela competição com o streaming, como também diminuiria o acesso de parte do público a determinados filmes. Para vê-los, seria preciso assinar a Netflix, que hoje no Brasil custa a partir de R$ 20,90 por mês, no plano mais básico e com exibição de anúncios.
Ele também acredita ser improvável que a gigante do streaming invista em relançamentos de clássicos no cinema, como a Warner faz hoje -neste mês, por exemplo, “O Iluminado”, de Stanley Kubrick, voltará em cartaz. Isso minaria ainda mais a cultura cinematográfica de assistir às histórias na tela grande.



