SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A investigação sobre uma eventual manipulação do preço da ação da Ambipar avança na CVM (Comissão de Valor Imobiliário), em um caso que parecia ter sido encerrado no órgão. A autarquia se atém em esmiuçar a alta de mais de 800% nos papéis, entre maio e agosto do ano passado, tentando entender se fundos e operações ligados ao Banco Master, ao empresário Nelson Tanure e ao controlador da Ambipar, Tércio Borlenghi Junior contribuíram para aquela alta de maneira irregular.

Em julho deste ano, o colegiado da CVM, formado pelo presidente e diretores, dispensou a companhia de realizar uma OPA (Oferta Pública de Aquisição), necessidade que havia sido apontada pela área técnica justamente tendo como base um relatório indicando a manipulação.

Pessoas que acompanham o caso contam que a CVM intensificou sigilosamente a investigação sobre essa suspeita. A apuração já passou pela SMI (Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários), responsável por fiscalizar e regular o mercado de capitais. Está na SPS (Superintendência de Processos Sancionadores) que avaliou pela necessidade de aprofundar as investigações e instaurar inquérito administrativo.

Vários profissionais que atuam em corretoras e gestoras na área de trade, responsável pela compra e venda de ações, já foram convocados e ouvidos.

Os citados —Master, Tanure e Borlenghi— sempre negaram categoricamente que tivessem atuado em conjunto ou que seriam partes relacionadas em alguma operação que buscasse elevar a cotação da ação da Ambipar.

Procurados pela reportagem para detalhar a questão, Ambipar respondeu que não comentaria, Master e Tanure não se manifestaram até a publicação deste texto. A assessoria de imprensa da autarquia, por sua vez, disse que a CVM não comenta casos específicos.

O economista Aurélio Valporto, presidente da Abradin (Associação Brasileira de Investidores), diz que a forma como a discussão da OPA foi finalizada, sem que se considerasse o parecer da área técnica de que havia indícios de manipulação do preço da ação da Ambipar, gerou mal-estar em quem acompanha o mercado de capitais. Elucidar a questão é importante para o bom funcionamento e transparência das operações, afirma.

“A sinalização de que a CVM desistira de apurar uma ocorrência potencialmente criminosa, extremamente lesiva a investidores e à economia do país, apenas reforçou a percepção de que a autarquia não estava agindo como o xerife do mercado”, disse Valporto.

O documento original da área técnica da autarquia, que deflagrou a análise mais detalhada do caso, mostrou cada movimento que teria contribuído com a valorização da ação.

O texto da área técnica afirma que, em março de 2024, foi criado o fundo Phoenix FIP, um veículo de investimento de Nelson Tanure. Esse fundo era gerido pela Trustee DTVM que, então, pertencia ao mesmo grupo econômico do Banco Master.

Em abril daquele ano, esse fundo arrematou a Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia), na primeira privatização do Governo de São Paulo sob o comando de Tarcísio de Freitas.

Para financiar a compra das ações, a Phoenix SA, controlada pelo fundo Phoenix, emitiu debêntures —um tipo de título que capta recursos de investidores. Os papéis foram subscritos pelo Master Capital FIM, fundo exclusivo do Banco Master.

Como garantia, foram oferecidas ações da Emae e também da Ambipar —que criaram um emaranhado de cruzamentos.

As ações da Ambipar foram cedidas como garantia para o Master Capital, do Banco Master —e não eram quaisquer ações. Eram especificamente as que pertenciam a Borlenghi, o controlador da companhia, e ao fundo Esna, gerido pela Trustee, ligada ao mesmo Banco Master. Borlenghi e Tanure também figuraram como fiadores das debêntures.

Pelo descrito nos documentos da CVM, de junho a agosto, o controlador da Ambipar e o Esna, em conjunto com dois outros fundos, Kyra FIA e Texas FIA, também da Trustee, iniciaram um processo de compra de ações, que turbinaram o valor do papel.

Em setembro, outro fundo entrou nesse novelo: o fundo Ilha de Patmos FIM, identificado como outro veículo de investimentos de Tanure, se tornou cotista do Esna, substituindo o Banco Master. Na sequência, a totalidade das cotas do Esna detidas pelo fundo Ilha de Patmos foi integralizada no fundo Phoenix —aquele fundo que tinha feito a aquisição da Emae.

Neste segundo semestre, os três citados sofreram revezes. O Banco Central decretou a liquidação do Master, e seu controlador, Daniel Vorcaro, chegou a ser preso. A Ambipar pediu recuperação judicial, e o preço de suas ações caiu a centavos. Nelson Tanure não conseguiu pagar os juros das debêntures no prazo previsto e, na execução das garantias, perdeu as ações da Emae, que foram adquiridas pela Sabesp.

A CVM também não vive seu melhor momento. O colegiado trabalha com três de cinco membros. Há cadeira vaga há praticamente um ano. O presidente João Pedro Nascimento renunciou em 18 de julho, dois anos antes do fim do mandato, bem no meio da discussão de um recurso sobre a OPA da Ambipar. Seu voto foi pela OPA, e nele constava o relatório sobre os indícios de manipulação. O presidente interino Otto Lobo mudou o voto de minerva, e a OPA foi descartada em 29 de julho.