SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após ter cobrado uma tarifa maior que a necessária para manter seu equilíbrio financeiro, a Sabesp transferiu o valor excedente, que totalizou R$ 950 milhões, a um fundo que será usado para aliviar o aumento tarifário no ano que vem.

O chamado Fausp (Fundo de Apoio à Univesalização do Saneamento no Estado de São Paulo) foi criado após a privatização da companhia com o objetivo de prover recursos para amortecer reajustes. Com o montante, a Sabesp foi autorizada a aplicar um aumento de 6,11% nas contas de água e esgoto a partir de janeiro, número 15% menor que o previsto caso a empresa ainda fosse estatal.

Por isso, apesar de opositores do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) terem usado o reajuste para atacar a privatização da companhia, o número foi visto como uma vitória pela gestão paulista.

Um terço dos R$ 14 bilhões arrecadados com a venda de ações da Sabesp na privatização foi destinado ao Fausp, que também é abastecido com os dividendos recebidos pelo governo (R$ 460 milhões até hoje).

Mas o colchão que viabilizou o ajuste tarifário agora —o primeiro desde que companhia deixou de ser pública— veio quase todo dos R$ 950 milhões de excedente de receita da própria Sabesp. Só 0,026% do Fausp foi usado.

Quando a privatização foi concluída, em julho de 2024, entrou em vigor um novo modelo regulatório.

Uma das principais mudanças foi na forma como os investimentos da empresa são incorporados na tarifa. Antes, o cálculo considerava os investimentos futuros em infraestrutura, expansão de rede e modernização (chamado de “forward looking”). O novo contrato definiu que entram na tarifa apenas os investimentos já executados pela empresa (modelo intitulado “backward looking”).

A nova regra passou a vigorar já em julho de 2024. Nessa mesma época, o governo paulista anunciou uma redução na tarifa —corte de 10% para população de baixa renda, de 1% para imóveis residenciais comuns e de 0,5% para imóveis comerciais.

Depois dessa revisão tarifária, em dezembro de 2024, a Sabesp estimou em relatório financeiro que a tarifa que ela vinha aplicando estava aproximadamente 3,2% maior que a chamada “tarifa de equilíbrio” —definida pela agência reguladora como o montante necessário para cobrir custos operacionais eficientes e remunerar o capital investido.

Recentemente, em setembro de 2025, a Sabesp foi comunicada pela Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo) que a diferença entre tarifas era ainda maior: 3,74%.

As transferências da companhia para o fundo do governo começaram por causa dessa diferença. O contrato de concessão define que quando esse tipo de receita é maior do que o necessário —ou seja, quando a tarifa aplicada é maior que a de equilíbrio—, o valor extra deve ser repassado ao Fausp.

De acordo com a Sabesp, os R$ 950 milhões transferidos de janeiro até outubro são resultados da mudança do modelo regulatório.

Em nota, a companhia destacou que o reajuste para o consumidor a partir de janeiro de 2026 será referente exclusivamente à recomposição inflacionária, sem aumento real.

“O índice aplicado ao público ficou significativamente abaixo do reajuste econômico necessário, sendo que houve ainda um aumento de 151% nos investimentos realizados pela companhia se comparado ao período pré privatização”, disse.

De acordo Natália Resende, secretária estadual de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, os repasses da Sabesp para o Fausp nos últimos meses não significam que a tarifa poderia ter sido menor do que foi ao longo de 2024 e 2025.

“A conta que fizemos foi para ter responsabilidade nesse aspecto. Temos que olhar ao longo do ciclo. Como vai ter muito investimento, temos que considerar esses períodos avaliativos para sempre ficarmos abaixo do que seria a tarifa da Sabesp pública”, diz.

Segundo a secretaria, quando o modelo “forward looking” acabou, foi preciso avaliar quais investimentos estavam incluídos na tarifa e não tinham sido executados.

“A agência reguladora tinha que ver o que foi feito e o que não foi feito. Antes [da privatização] a previsão era de cerca de R$ 5 bilhões [de investimento] a ser realizado por ano. Vimos que às vezes a Sabesp realizou R$ 4 bilhões, às vezes R$ 3 bilhões”, diz. Segundo ela, foi essa diferença que teve impacto na tarifa e gerou a receita extra que amorteceu o reajuste.

A previsão é que, a partir de 2026, a situação se inverta. Com o reajuste de agora, a Sabesp passará a ter uma tarifa aplicada menor que a de equilíbrio. E, nesses casos, é o Fausp que precisa fazer a transferência de recursos para a Sabesp trimestralmente.

Segundo o Governo de São Paulo, esse processo busca garantir a modicidade tarifária até a universalização dos serviços de água e esgoto no estado, prevista para 2029. Isso porque, como o volume de investimento para expansão de rede será muito alto —estimado em mais de R$ 70 bilhões— a tendência era a tarifa subir de forma drástica.

Com uso do Fausp, a tarifa calculada pela Arsesp ficará sempre abaixo do valor que seria praticado pela Sabesp caso fosse estatal.

Nos últimos meses, a privatização da Sabesp virou um assunto delicado para Tarcísio. Com moradores da Grande São Paulo podendo enfrentar até 16 horas por dia sem água, o governo passou a monitorar a comunicação e evitar impacto em uma bandeira política.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, a equipe do governador avalia que um agravamento da crise poderia enfraquecer o momento considerado favorável, com impactos em 2026, quando Tarcísio estará em disputa eleitoral. O governador é cotado na direita à Presidência, mas diz que buscará a reeleição.