SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A partir da temporada de verão 2027, que ocorre em setembro do ano que vem, as coleções apresentadas durante a Semana de Moda de Nova York não poderão incluir qualquer material proveniente de pele de animais nobres.

A decisão foi anunciada na manhã desta quarta-feira (3) pelo Conselho de Designers de Moda da América (CFDA), responsável pelo evento, em parceria com as instituições Humane World for Animals e Collective Fashion Justice. A exceção só existe para peles de animais obtidas por indígenas por práticas tradicionais de caça.

É um comunicado que soa, à primeira vista, inopinado, considerando o que se viu nos primeiros meses deste ano, quando as passarelas femininas e masculinas da temporada de inverno exibiram uma enxurrada de peças que remetiam ao glamour das peles.

Grifes como Prada, Emporio Armani e Dolce & Gabbana apresentaram roupas que pareciam feitas de pele animal. Na verdade, eram materiais sintéticos ou “shearling” —pele de carneiro—, capazes de mimetizar textura e aparência de raposa, zibelina e vison. Ainda assim, o luxo se viu envolvido em um debate pessimista sobre um possível retorno dos ousados e empoeirados casacos de pele.

O processo, no entanto, está longe de ser simples. Mesmo com a queda de 85% na indústria de pele desde 2015 —de 140 milhões de animais mortos por ano para cerca de 20 milhões—, esses últimos ainda são abatidos por eletrocussão ou gás tóxico, métodos destinados a preservar a qualidade das carcaças, e vivem em condições inóspitas.

“Não estamos dizendo que o visual precisa desaparecer. O que queremos mostrar é que existem alternativas”, afirma PJ Smith, diretor de políticas de moda da Humane World for Animals. Segundo ele, mesmo que a estética esteja voltando, será difícil para o setor lucrar com isso devido às políticas de marcas e governos. “A juventude prefere alternativas —sintéticas, veganas ou vintage— e rejeita produtos feitos de animais recém-abatidos”, afirma Ashley Byrne, diretora do PETA.

Essa mudança geracional e o novo olhar do antigo público de luxo, se encontram em um cerco que se fecha. De um lado, o das próprias grifes, que aboliram o uso de pele e avançaram no diálogo com tecnologias capazes de inverter o jogo.

Desde 2015, etiquetas como Hugo Boss, Net-a-Porter e o Grupo Armani e Kering se posicionam publicamente, enquanto Stella McCartney já era veterana na causa. Nos Estados Unidos, Calvin Klein abandonou as peles ainda nos anos 1990.

À época, Giorgio Armani afirmou que, à medida que o progresso tecnológico avançava, alternativas válidas tornavam desnecessário o uso de métodos cruéis — uma visão que antecipava a demanda ética atual. “O foco em materiais inovadores nos permite explorar novos limites do design, ao mesmo tempo em que atendemos à demanda por produtos éticos”, declarou Miuccia Prada.

O cerco também se fecha pelo lado dos governos. Hoje, 24 países europeus —entre eles Áustria, Alemanha, Itália, Noruega, Reino Unido e, mais recentemente, a Polônia, maior produtora do continente e segunda maior do mundo — já vetaram a criação de animais para peles.

Na terça-feira (2), o presidente polonês Karol Nawrocki sancionou uma lei que proíbe a atividade, determinando o encerramento das instalações até 31 de dezembro de 2033. O país abriga 281 fazendas: 169 de visons, 37 de raposas, 11 de cães-guaxinins e 64 de chinchilas.

Fora da Europa, o movimento se intensifica. “Nos EUA, a Califórnia, desde 2019, não permite a compra de pele, assim como Israel desde 2021”, diz Byrne. “Nova York busca aprovação da mesma lei.” A deputada estadual Linda Rosenthal lidera o projeto para proibir a venda de novos produtos de pele no estado, o maior mercado do país.

A medida da semana de moda local pode influenciar positivamente o processo, assim como a decisão da Condé Nast —responsável por Vogue, GQ e outros títulos— de banir peles de suas práticas editoriais em outubro passado. “Agora que as semanas de moda e as revistas estão abolindo o uso, fica claro que a pele animal jamais voltará a ser uma tendência aceitável, e a legislação que proíbe a venda, a importação ou a produção de peles só irá consolidar esse fato”, comenta Smith.

“Já se observa pouca ou nenhuma pele nos desfiles da NYFW, mas, ao adotar essa posição, o CFDA espera inspirar os estilistas americanos a refletirem mais profundamente sobre o impacto da indústria da moda nos animais”, declarou Steven Kolb, CEO da organização. A decisão segue exemplos de Londres, que adotou a medida em 2018, e de Copenhagen, em 2022.

Entre os grandes vilões da “fur trade” estão a China, maior produtora global com 10,7 milhões de animais mortos por ano, e o conglomerado de luxo LVMH, proprietário de marcas como Louis Vuitton, Dior e Fendi.

“O grupo está profundamente envolvido e financia a International Fur Federation”, diz Smith. Segundo documento obtido pela ONG Gaia, a empresa investiu cerca de 300 mil euros para evitar o colapso da indústria, apostando em novas fazendas na Ucrânia e convencendo estilistas emergentes sobre a necessidade de explorar os materiais nas suas coleções.

Procurada pela Folha de S.Paulo, a LVMH afirmou respeitar todas as opiniões sobre o uso de peles e disse estar comprometida com práticas éticas e responsáveis. A empresa mencionou ainda explorar alternativas inovadoras, incluindo um projeto de “pele cultivada em laboratório”, atualmente em fase de pré-industrialização.

“Se o continente europeu se tornar ‘fur-free’, a China se tornará a principal fornecedora global. E a LVMH, que hoje compra da Finlândia, enfrentará um problema: como garantir rastreabilidade sob essas condições?”, observa Smith. Em território chinês, animais criados não são protegidos por leis específicas de bem-estar e seguem apenas normas aplicadas a bovinos. Métodos como quebra de pescoço ou até esfolamento de animais ainda vivos são documentados.

Foi essa falta de controle que levou marcas como a Chanel a abandonar não apenas peles, mas também couros exóticos, em 2019. “Nossa experiência mostrou que obter esses materiais de forma ética e rastreável estava cada vez mais difícil”, afirma a grife à Folha de S.Paulo. “Por isso, decidimos usar exclusivamente peles provenientes da cadeia agroalimentar.”