SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ao longo dos anos, os tratamentos para câncer de próstata evoluíram com o surgimento de técnicas menos invasivas, como a cirurgia robótica e os radiofármacos. Agora, uma nova classe de tratamentos está emergindo e se destacando como mais uma alternativa: as terapias ablativas.

A técnica destrói focos tumorais utilizando calor, frio ou eletrochoque. No Brasil, porém, a abordagem é considerada experimental e utilizada apenas em pesquisas científicas, ao contrário dos Estados Unidos e Europa, onde essas terapias já são usadas como abordagem inicial nos tratamentos para câncer de próstata.

As terapias ablativas mais estudadas são a Hifu, um ultrassom focado de alta intensidade que usa calor para eliminar células cancerígenas, e a crioterapia —ou crioablação—, que congela o tecido tumoral. Outra técnica é a eletroporação irreversível, que aplica corrente elétrica para desestruturar membranas de células cancerosas e induzir a morte celular.

No entanto, um parecer de 2020 do CFM (Conselho Federal de Medicina) diz que a eficácia oncológica da Hifu permanece não comprovada. O uso é permitido apenas em caráter protocolar, em ambiente de pesquisa, com consentimento livre e esclarecido, e não deve substituir modalidades consagradas como a prostatectomia radical (remoção completa da próstata) ou a radioterapia.

“São necessários estudos comparativos para avaliar sua eficácia em relação às demais opções estabelecidas antes que recomendações possam ser feitas”, diz o parecer.

O conselho ainda não emitiu pareceres específicos sobre as outras duas terapias ablativas —crioterapia e eletroporação irreversível—, pois só se manifesta quando provocado por consultas formais, o que não ocorreu até o momento.

Segundo o urologista Éder Brazão, do AC Camargo Cancer Center, as outras duas terapias ablativas provavelmente receberiam pareceres semelhantes ao da Hifu, ou até mais restritivos, pois contam com evidências científicas ainda menos robustas que essa técnica, que tinha maiores chances de aprovação.

Para a SBU (Sociedade Brasileira de Urologia), o posicionamento do conselho permanece “conservador”.

Nos EUA, há códigos específicos de reembolso pelos sistemas de saúde e convênios, integrando essas terapias aos protocolos oficiais, segundo Brazão. Já na Europa, especialmente no Reino Unido, o NHS, o SUS britânico, financia integralmente terapias ablativas para pacientes selecionados.

“No Reino Unido, onde fiz minha formação, tratávamos de 4 a 5 pacientes por dia com Hifu. Cada procedimento dura cerca de uma hora, sem necessidade de internação, UTI ou risco de sangramento. Do ponto de vista de saúde pública, isso otimiza recursos e vagas hospitalares, com grande potencial de impacto positivo”, diz Brazão.

Alguns dos maiores centros de tratamento oncológico no mundo, como o Memorial Sloan Kettering Cancer Center (MSK), a Cleveland Clinic, e o MD Anderson Cancer Center, utilizam a terapia Hifu.

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Os tratamentos ablativos são uma alternativa aos procedimentos mais radicais e invasivos, uma vez que possuem baixo risco cirúrgico e anestésico, e menor impacto nas funções sexuais e urinárias.

As técnicas, porém, não são indicadas para todos os pacientes oncológicos. Segundo Brazão, os pacientes ideais para esses tratamentos são os que apresentam risco intermediário e, preferencialmente, com o tumor localizado em um único local.

O urologista diz estar otimista sobre a liberação das terapias ablativas, como o Hifu, no Brasil. Segundo ele, o CFM está revisando seu posicionamento de 2020, com uma câmara técnica dedicada ao tema, e prevê revogação “nos próximos meses”, permitindo expansão para mais centros.

“Esse caminho da terapia focal é promissor para preservar qualidade de vida.”

Brazão publicou recentemente um estudo na revista Prostate International que valida, pela primeira vez, o escore Capra (Avaliação de Risco de Câncer de Próstata) para prever o sucesso do tratamento com Hifu em pacientes brasileiros com câncer de próstata. Até então, o escore era usado apenas para prostatectomia radical ou radioterapia.

O escore opera como uma calculadora simples, que gera uma pontuação de 0 a 10 com base em cinco fatores: idade, PSA (Antígeno Prostático Específico), grau de Gleason (agressividade), estadiamento T (tamanho) e porcentagem de fragmentos positivos na biópsia.

Cada fator tem seus pesos e pontos. Com a somatória, o médico consegue classificar o risco em baixo (0 a 2), intermediário (3 a 4) ou alto (6 a 10). A escala permite saber, antes de iniciar o tratamento, se o câncer de próstata tem maior chance de resposta ou de recidiva (retorno), especificamente para tratamento com Hifu.

A pesquisa analisou 208 casos tratados entre 2011 e 2018, distribuídos em 37% de baixo risco, 46% de risco intermediário e 17% de alto risco.

“Nosso estudo mostra que pacientes com escore mais alto tendem a não responder bem à terapia ablativa. Com isso, conseguimos selecionar melhor quem realmente se beneficia da terapia focal e quem deve seguir diretamente para tratamentos clássicos, como prostatectomia radical ou radioterapia”, explica Brazão.

O trabalho conquistou o prêmio de melhor estudo clínico no 40º Congresso Brasileiro de Urologia, em novembro, em Florianópolis. No total, 634 trabalhos foram apresentados.

“Estudos como o apresentado no 40º Congresso da SBU tornam-se ainda mais relevantes, pois produzem evidências nacionais robustas capazes de aprofundar o conhecimento sobre perfis de pacientes e resultados oncológicos, informações essenciais para futuras atualizações regulatórias e para o cuidado seguro e individualizado dos pacientes”, disse a SBU.

Esta reportagem faz parte do projeto Vita, desenvolvido com apoio do Hospital Sírio-Libanês