CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Há uma pedra no caminho de “O Agente Secreto”, e ela vem ficando cada vez maior.

Grande aposta para o Oscar de melhor filme internacional do ano que vem, o longa de Kleber Mendonça Filho voltará a enfrentar, nesta temporada de prêmios, dois velhos companheiros, premiados no Festival de Cannes assim como ele –”Foi Apenas um Acidente” e “Valor Sentimental”.

Enquanto o primeiro, do iraniano Jafar Panahi, arrebatou uma Riviera Francesa politizada e levou para casa a Palma de Ouro, o segundo despontou como queridinho da crítica americana, com o sentimentalismo típico do norueguês Joachim Trier.

Ainda há chão para “O Agente Secreto” percorrer até o Oscar, mas a pedra que se coloca sobre ele está, cada vez mais claro, é iraniana. Ou melhor, francesa. É a França, uma de suas coprodutoras, que “Foi Apenas um Acidente” representa no maior prêmio de Hollywood.

Para além de qualquer mérito artístico, os bastidores do filme –que incluem perseguição política e fuga, ironicamente dois dos motores da trama de “O Agente Secreto”– devem ajudar a impulsioná-lo nos prêmios, como já aconteceu com o compatriota Asghar Farhadi no ano de “O Apartamento”.

Nesta segunda-feira (1º), o Tribunal Revolucionário Islâmico em Teerã condenou Panahi a um ano de prisão e o proibiu de viajar para o Irã durante dois anos pelo que chamou de “atividades de propaganda” contra o país.

A decisão é a maior contribuição que as autoridades iranianas, que tanto detestam o filme, poderiam ter dado à sua campanha de projeção internacional. Panahi está atualmente nos Estados Unidos, e portanto livre para dar muitas entrevistas sobre sua perseguição e como “Foi Apenas um Acidente” expõe as engrenagens autoritárias do Irã, que já o prendeu em duas ocasiões, em 2010 e 2022.

“Eu não sei se o período na prisão mudou o meu cinema, mas tudo o que vivi lá, todas as conversas que tive, ficaram comigo até eu perceber que havia um filme a ser feito a partir disso”, disse Panahi em maio passado, a um grupo de jornalistas que se reuniu para uma conversa com o cineasta após a première.

“Tudo o que está no filme são experiências reais, que ouvi de prisioneiros e que acabaram se tornando um tipo de experiência coletiva, compartilhada por todos nós. Juntei tudo nos cinco personagens que vemos em cena.”

“Foi Apenas um Acidente” narra a história de um grupo de ex-presos políticos que, ao ouvir o ranger muito específico de uma prótese, acreditam ter reencontrado o homem que os vendou e torturou. Eles tentam a todo custo confirmar a identidade do sujeito, enquanto enfrentam o dilema moral que opõe perdão e vingança.

Por mais que as premissas de suas obras estejam carregadas de revolta, é curioso o fato de Panahi flanar por festivais sempre como uma figura muito serena, de voz calma e com óculos que não são escuros o suficiente para cobrir seu olhar empático, quase doce.

Foi assim quando veio a São Paulo no mês retrasado, como grande homenageado da Mostra de Cinema. Com a turnê internacional na qual embarcou, as chances de o iraniano enfim ter um de seus filmes premiados com o Oscar aumentam.

O homenzinho dourado é o troféu que lhe falta. Depois de vencer a Palma de Ouro em Cannes, o Leão de Ouro em Veneza –por “O Círculo”, de 2000– e o Urso de Ouro em Berlim –por “Táxi Teerã”, de 2015–, o iraniano chega cada vez mais perto da glória também em solo americano, numa terra que presencia os arroubos autoritários de Donald Trump, que vem cerceando a arte produzida por lá.

Premiar Panahi seria uma resposta ao Irã, aos Estados Unidos e a um mundo que vem normalizando a censura e a perseguição da qual “Foi Apenas um Acidente” fala. Um tipo de mensagem que as celebridades mais bem pagas do mundo adoram mandar –e que está presente, também, em “O Agente Secreto”.

“É difícil dizer, porque nós não fizemos planos juntos”, diz Panahi ao ser questionado sobre a onipresença de denúncias ao autoritarismo no último circuito de festivais europeu, que deve se repetir no Oscar.

“O mundo parece estar passando por problemas parecidos. Vemos guerras em todos os lugares, pessoas como o Trump criando diversos problemas –criando restrições ao cinema, como ele quer fazer por meio de tarifas. Há muitas camadas por trás dessa safra de filmes.”

A três meses do Oscar, ainda há muito para acontecer. Mas com este discurso, Panahi desponta como um dos grandes favoritos da temporada –mesmo que não possa levar eventuais troféus para a prateleira de sua casa em Teerã.

FOI APENAS UM ACIDENTE

– Quando Estreia nesta quinta (4), nos cinemas

– Classificação 14 anos

– Elenco Vahid Mobasseri, Mariam Afshari, Ebrahim Azizi

– Produção Irã, França, Luxemburgo, EUA, 2025

– Direção Jafar Panahi