SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um conjunto de fósseis das formações Socorro e Urumaco na Venezuela ajudou a compreender a evolução do gigantismo nas anacondas (gênero Eunectes) na América do Sul, segundo um estudo publicado no periódico especializado Journal of Vertebrate Paleontology nesta terça-feira (2).
De acordo com o achado, as serpentes gigantes tropicais conservaram tais dimensões há pelo menos 12 milhões de anos, desde o Mioceno Médio, em ambientes pantanosos (quentes e úmidos), semelhantes ao habitat da sucuri-verde (nome popular da anaconda no Brasil).
Uma equipe formada por pesquisadores das universidades de Cambridge (Reino Unido) e de Zurique (Suíça), do Museu Paleontológico de Urumaco e da Universidade Nacional Experimental Francisco Miranda, ambos na Venezuela, foi responsável por encontrar os restos fósseis da anaconda em rochas cujas idades variam do Mioceno Médio (de 14,5 a 12,4 milhões de anos) ao Superior (de 12,4 a 6,8 milhões de anos).
O conjunto compreende 183 vértebras de serpentes atribuídas a 32 indivíduos diferentes, de acordo com a localidade, coloração e posição na coluna vertebral. Os paleontólogos usaram uma base de dados incluindo características dos booideos atuais. Para cada vértebra, foram feitas duas medidas consideradas padrão no estudo paleontológico de serpentes, afirma Andrés Alfonso-Rojas, doutorando da Universidade de Cambridge e primeiro autor do estudo.
Eles também compararam com medidas de espécimes de coleções e uma outra espécie fóssil conhecida para o Mioceno da América do Sul, Colombophis. Depois, foi feita uma análise de regressão linear para chegar a um tamanho corporal estimado.
Após a análise, os pesquisadores estimaram um tamanho mínimo de 3,95 metros (para as vértebras do Mioceno Superior) e máximo de 5,23 metros (material do Mioceno Médio), com um tamanho médio de 4,14 m. As anacondas que vivem hoje têm tamanho médio de cinco metros, com alguns relatos de serpentes com seis metros de comprimento. Ainda segundo o estudo, a divergência de Eunectes com o seu parente mais próximo, o gênero Epicrates, cujo tamanho médio é de 2,5 m, teria ocorrido há 38 milhões de anos.
“O que torna esse estudo diferente é que temos uma quantidade de material fóssil robusta de uma serpente que ainda existe hoje, com espécimes que abrangem de 12 a 6,8 milhões de anos atrás quase 6 milhões de anos de história evolutiva em Urumaco. Usando reconstruções com base em análise filogenética, confirmamos que as anacondas já possuíam tamanhos grandes há 12 milhões de anos”, diz o paleontólogo.
As rochas presentes nas formações de Urumaco e Socorro representam um paleoecossistema conhecido do norte da América do Sul no Mioceno chamado de sistema Pebas, de acordo com o autor. “Pebas abrigava também grandes crocodilos, tartarugas, e preguiças-gigantes, além de peixes abundantes, jacarés de médio porte e roedores como capivaras, sendo os últimos comumente caçados por anacondas atuais. Embora o clima hoje seja mais frio e o sistema Pebas não existe mais, o papel ecológico das anacondas permaneceu o mesmo nos últimos 12 milhões de anos, o que explica por que elas ainda são tão grandes quanto eram no Mioceno.”
As serpentes modernas incluem mais de 4.000 espécies em todo o mundo cujo tamanho varia de dez centímetros (a menor serpente conhecida) até mais de dez metros (como a píton-reticulada, originária da Ásia). Nas Américas, as espécies grandes fazem parte do clado Booidea, que inclui as serpentes constritoras, como anacondas e jiboias.
No Brasil, ocorrem pelo menos três espécies de anacondas ou sucuris: a sucuri-verde (Eunectes murinus), a sucuri-verde-do-norte (E. akiyama), recém-descoberta, e a sucuri-amarela ou sucuri-do-Pantanal (E. notaeus). Há também registro de uma espécie restrita à ilha do Marajó, no Pará (E. deschauenseei), porém estudos mais recentes sugerem que ela é um sinônimo (mesma espécie) da sucuri-verde.
Lazare Elbaz, doutorando do Museu de Zoologia da USP e especialista no estudo da evolução de grandes serpentes extintas e atuais a partir do registro fóssil, disse que os autores do novo artigo combinaram dois métodos usados para o cálculo do tamanho aproximado das anacondas já apresentados em outros estudos do grupo e que os resultados, de forma geral, dependem de qual grupo de serpentes atuais é usado como referência.
“O mesmo autor, Jason Head, fez uma aproximação também com base nas vértebras de serpentes Booidea para a serpente gigante Titanoboa, escavada em rochas do Mioceno da Colômbia, e chegou a 13 metros de comprimento, o que é um pouco demais”, diz Elbaz, que não participou da pesquisa. “No caso do novo estudo, como eles compararam com boídeos, que é um grupo atual, já existe um conhecimento bastante avançado do grupo, o que torna a estimativa mais facilmente verificável.”
Elbaz também lembra que análises filogenéticas de serpentes baseadas exclusivamente em vértebras são muitas vezes difíceis de se tirar conclusões, já que essa é uma região anatômica sujeita a modificações de acordo com o hábito de vida, e que análises com material craniano fornecem dados adicionais sobre a origem e evolução de grandes grupos de serpentes.
“Eles atribuem o tamanho gigante dos fósseis com o ecossistema, mas isso é bastante coerente, na realidade, já que é o mesmo ambiente onde vivem as sucuris atuais”, diz.
Alfonso-Rojas e colegas pretendem realizar novas campanhas no campo em busca de materiais fósseis adicionais, idealmente incluindo crânios.



