SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Justiça do Trabalho determinou que a JBS Aves seja incluída na chamada lista suja de empresas processadas por trabalho escravo, promovendo uma derrota ao ministro do Trabalho, Luiz Marinho.

Em decisão proferida nesta terça-feira (2) a juíza Katarina Mousinho de Matos, da 11ª Vara do Trabalho de Brasília, classificou como “tentativa de obstrução do cumprimento da sentença” a decisão de Marinho de suspender a inclusão da JBS e outras duas empresas na lista mesmo com o encerramento dos processos.

A magistrada reforçou, em resposta a um processo movido pelo MPT (Ministério Público do Trabalho), que, existindo decisão administrativa final em casos de infração por trabalho análogo ao escravo, a inclusão na lista é obrigatória, “não cabendo à Administração criar filtros adicionais ou exceções casuísticas”.

“O exercício do poder de avocação não pode servir como instrumento para neutralizar decisões judiciais transitadas em julgado. Admitir tal prática significaria conferir ao Executivo poder de veto sobre o cumprimento de sentenças, em flagrante violação ao princípio da separação dos poderes e ao Estado Democrático de Direito”, disse Matos.

O caso teve início no ano passado, quando uma operação federal encontrou dez pessoas trabalhando em condições análogas à escravidão em uma empresa responsável por carregar e descarregar cargas para uma unidade avícola da JBS Aves, no Rio Grande do Sul.

Segundo os investigadores, os trabalhadores foram submetidos a turnos de até 16 horas e estavam alojados sem acesso a água potável. Além disso, a empresa contratada também havia feito descontos legais nos salários, o que dificultava a demissão dos trabalhadores.

Em agosto, os fiscais decidiram que a JBS era responsável pelas condições de trabalho dos trabalhadores, pois não realizou diligências que garantissem que a empresa terceirizada assegurava o mínimo por lei aos trabalhadores.

Amparado por um parecer jurídico da AGU (Advocacia-Geral da União), Marinho tomou para si o caso e suspendeu a publicação da lista com a JBS, a Santa Colomba Agropecuária e a Associação Comunitária de Produção e Comercialização do Sisal. O caso gerou reclamações de órgãos e entidades que trabalham no combate ao trabalho escravo.

À época, a AGU entendeu que a inclusão da JBS na lista de trabalho escravo teria “repercussão econômica e jurídica de ampla magnitude”, com reflexos na imagem da empresa perante o mercado e com possíveis impactos no setor econômico do país.

Para a juíza, os termos aplicados pela Advocacia-Geral comprovam que o parecer não seguiu critérios técnicos e jurídicos, mas econômicos e políticos.

“A gravidade dos fatos narrados no auto de infração -envolvendo tráfico de pessoas, falsas promessas, endividamento e condições degradantes- e o reconhecimento pela própria AGU de ‘indícios robustos’ tornam ainda mais inadmissível a tentativa de obstrução do cumprimento da sentença”, disse a juíza Katarina Matos na sentença.

Além disso, a tentativa de revisão por parte do Ministério do Trabalho foi vista como uma afronta ao princípio da finalidade administrativa, pois reabriu uma discussão já encerrada para evitar “repercussão econômica” do caso, não para assegurar o cumprimento da lei.

A magistrada também entendeu que a decisão do Ministério feriu princípios constitucionais como a impessoalidade e a moralidade, pois foram invocados elementos estranhos ao processo, como a indicação do porte econômico da empresa autuada, o que criaria um tratamento diferenciado e um “regime de exceção para grandes empresas”.

Agora, o governo Lula será obrigado a atualizar a lista com as três empresas. A juíza determinou que o governo se abstenha de classificar como sigilosos ou determinar a dispensa de publicação de atos que envolvam a gestão da lista suja -decisão tomada por Marinho-, sob pena de caracterização de crime de responsabilidade e ato de improbidade administrativa por violação à transparência.

Em caso de descumprimento, o governo deverá pagar R$ 20 mil por dia de atraso na atualização da lista.

Na decisão, a juíza Katarina Matos também ordenou que o Ministério Público Federal apure eventual prática de improbidade administrativa e crime de desobediência, e pediu que a CGU (Controladoria-Geral da União) abra apuração disciplinar do desvio de finalidade do poder de avocação.

Consultado, o Ministério do Trabalho disse que vai recorrer da decisão assim que for formalmente notificado. A pasta não se pronunciou sobre as apurações adicionais que serão realizadas pelo MPF e pela CGU.

Em nota, a JBS disse que a Seara encerrou o contrato e bloqueou o prestador de serviços assim que tomou conhecimento das denúncias. Disse também que contratou uma auditoria externa para checagem da documentação dos trabalhadores de empresas terceiras e intensificou a auditoria interna, com análise e verificação diária de todas as condições da prestação de serviços de apanha.

“A Seara tem tolerância zero com violações de práticas trabalhistas e de direitos humanos. Todos os fornecedores estão submetidos ao nosso código de conduta de parceiros e à nossa política global de Direitos Humanos, que veda explicitamente qualquer prática de trabalho como as descritas na denúncia”, disse a companhia.

A Santa Colomba Agropecuária e a Associação Comunitária de Produção e Comercialização do Sisal não responderam até o momento.

A decisão foi comemorada pelo Ministério Público do Trabalho. Em nota, o procurador Luciano Aragão disse que o argumento da relevância econômica esconde a política de “priorizar interesses corporativos sobre direitos trabalhistas”.

“Aceitar que empresas poderosas merecem tratamento diferenciado é admitir que o Estado brasileiro se curva ao capital, mesmo quando este escraviza”, disse o procurador.