SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Polícia Federal (PF) deflagrou uma operação na manhã desta quarta-feira (3) para investigar o surto de um vírus letal que atinge a população de ararinhas-azuis na Bahia a ave é considerada extinta na natureza e é uma das mais raras do mundo.
Segundo a PF, foram cumpridos cinco mandados de busca e apreensão em Brasília e em Curaçá (BA), onde fica a empresa Criadouro Ararinha-azul responsável pelo maior cativeiro da espécie no país. A chamada operação Blue Hope (esperança azul, em inglês) apreendeu celulares e computadores da empresa.
Os investigados podem responder pelos crimes de disseminação de doença capaz de causar dano à fauna, morte de animais da fauna silvestre e obstrução de fiscalização ambiental, de acordo com a corporação. Ainda não se tem notícia de ararinhas mortas em razão do vírus.
Em nota, a Criadouro Ararinha-azul disse que as aves estão sob tutela do Estado e manifestou “tranquilidade com a operação”. “A investigação já era esperada, pois foi o próprio criadouro que noticiou a detecção do vírus aos órgãos ambientais”, prossegue o comunicado.
“No âmbito da investigação, será apurada e demonstrada a conduta regular e lícita do criadouro em todos os aspectos, uma vez que sempre seguiu rigorosamente de acordo com todos os protocolos exigidos pelos governos brasileiro e alemão”, afirmou a empresa. “Por fim, confiamos que as investigações (…) resultarão no completo esclarecimento dos fatos e, posteriormente, a idoneidade da empresa será reconhecida pela Justiça.”
O inquérito da PF revelou indícios de que “empresas e pessoas físicas ligadas ao programa de reintrodução da ararinha-azul (…) descumpriram protocolos sanitários obrigatórios, permitindo a introdução e propagação do circovírus”, disse a polícia em nota.
Esse vírus, que não apresenta perigo para seres humanos ou aves de produção, não tem cura e acaba por matar os animais na maioria dos casos. De acordo com o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, 31 das 103 ararinhas-azuis em Curaçá receberam testes positivos para o circovírus, incluindo todas as 11 que estavam soltas na natureza e foram recapturadas.
O surto de circovírus veio à público em julho deste ano, quando o ICMBio confirmou a presença do patógeno que, segundo o órgão, não existia na natureza no Brasil antes deste caso. O vírus causa a chamada doença do bico e das penas em psitacídeos isto é, araras, papagaios e periquitos, cujos sintomas incluem penas esbranquiçadas e deformações no bico.
Apesar da gravidade do surto, as aves que estavam na natureza só foram recapturadas em novembro deste ano, meses depois dos primeiros testes positivos, e somente com uma ordem judicial obrigando a Criadouro Ararinha-azul a recolher os animais. A empresa resistia à recomendação do governo, argumentando que a recaptura não era necessária.
Especialistas afirmam que, agora, há altas chances de que todas as aves do criadouro já estejam infectadas com o circovírus. A empresa Criadouro Ararinha-azul nega a afirmação e questiona os resultados dos testes feitos pelo governo, dizendo que é prematuro afirmar que todas as aves que estavam em natureza estão doentes.
“A instituição segue protocolos rígidos de biossegurança e bem-estar animal e conta com instalações e equipamentos adequados ao manejo das aves”, disse a Criadouro Ararinha-azul na ocasião. “A instituição contesta ainda a informação de que ‘as últimas ararinhas-azuis na natureza’ estariam sob risco iminente em razão do circovírus”.
A Criadouro Ararinha-azul, que costumava se chamar Blue Sky, foi fundada por Ugo Vercillo, ex-servidor do ICMBio ligado à ONG alemã ACTP (Associação para a Conservação de Papagaios Ameaçados, em inglês), instituição que, no passado, teve posse de 90% de todas as ararinhas-azuis no mundo.
Em investigação em parceria com o jornal SZ, a Folha mostrou em junho que essa ONG realizou transações milionárias com a ararinha-azul na Europa movimentações consideradas pelo governo brasileiro como comerciais e “fora do escopo do trabalho de conservação”.
Essas transações foram o estopim para que o ICMBio rompesse o contrato com a ACTP em 2024. Desde então, a Criadouro Ararinha-azul, na época Blue Sky, passou a ser responsável pelo criadouro em Curaçá, onde está a maior concentração da ave no Brasil além das 103 em cativeiro na Bahia, há somente 27 no Zoológico de São Paulo. Outras 158 estão em posse da ACTP na Alemanha.
No último dia 25, o ICMBio multou Vercillo e a Criadouro Ararinha-azul em R$ 1,8 milhão por “descumprimento de medidas de biossegurança”. Segundo o órgão, os recintos onde ficavam as aves não eram limpos diariamente, com acúmulo de fezes e restos de comida, e os funcionários trabalhavam no local de chinelo de dedo, bermuda e camiseta, sem equipamentos de proteção adequados.
Em resposta, a empresa divulgou fotos sem data que mostram ambientes limpos e funcionários vestidos de maneira correta.
O ICMBio afirma que, em janeiro de 2025, uma ave que foi enviada ao Brasil pela ACTP teve um teste positivo para circovírus. A informação foi publicada primeiro no site especializado Mongabay. A ACTP disse ao site que se tratou de um falso positivo e que, quando houve um resultado negativo, a ave recebeu permissão para viajar.
Sobre esse caso, a Criadouro Ararinha-azul diz que “todos os requisitos para a importação das aves foram atendidos pelo criadouro e acompanhados pelos órgãos responsáveis”, e que a ararinha em questão nunca teve contato com os animais hoje contaminados.



