SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Banco Central afirmou ao STF (Supremo Tribunal Federal) que uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso interrompendo o desconto das parcelas do crédito consignado nos benefícios dos servidores tem o “potencial para afetar diretamente o SFN [Sistema Financeiro Nacional]”, com impacto na disponibilidade e no custo do crédito.
A ação do regulador vem depois que, no início de novembro, foi aprovado o decreto legislativo 791 em Mato Grosso, determinando a suspensão por pelo menos 120 dias da cobrança de cartão de crédito consignado, crédito direto ao consumidor e outras operações de créditos contratadas por servidores públicos estaduais.
A justificativa para a aprovação da lei foi proteger servidores superendividados.
A determinação afeta cerca de R$ 12 bilhões em operações de crédito consignado em aberto no estado, segundo o TCE-MT (Tribunal de Contas de Mato Grosso).
O BC pediu para ser amicus curiae da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) impetrada pela Consif (Confederação Nacional do Sistema Financeiro), que tem entre seus associados a Federação Brasileira de Bancos. O processo solicita que a legislação estadual seja considerada inconstitucional e que o STF conceda uma liminar a suspendendo, requisições que também são apoiadas pela autoridade monetária.
Amicus curiae, o “amigo da corte”, é figura processual em que uma terceira parte interessada no processo quer subsidiar o magistrado com pareceres e informações.
O Banco Central afirma que a lei, se mantida, pode aumentar o valor das despesas das instituições financeiras, impactando o resultado delas. Chama a legislação matogrossense de “oportunista e injustificável”, com capacidade de restringir a liquidez inclusive em outras modalidades de crédito.
O decreto afeta o repasse das parcelas de empréstimos a 28 instituições financeiras que operam com crédito consignado, 12 com cartão de crédito consignado e 25 com cartão benefício.
Os bancos estimam 62 mil servidores com contratos em vigor, o que representa 60% dos 104 mil funcionários públicos de Mato Grosso. São cerca de 300 mil contratos ativos, o que representa uma média de 4,83 por pessoa.
A ação do Consif considera que a legislação estadual viola o princípio da separação de poderes, já que a competência para legislar sobre direito civil e política de crédito é da União. Violaria também o princípio da livre iniciativa.
Mendonça pediu manifestações ao Banco Central, ao governo de Mato Grosso e à Assembleia Legislativa. Em seguida, remeteu o tema para a AGU (Advocacia-Geral da União).
“Esse impacto interfere diretamente na avaliação das instituições por investidores e depositantes e pode gerar redução do acesso das instituições a recursos disponíveis no mercado financeiro local e internacional, bem como no mercado de capitais”, diz a peça, assinada pelo procurador-geral do BC, Cristiano Cozer.
Em setembro deste ano, o volume da carteira de consignados no país era de R$ 718 bilhões, representando 10,55% do saldo das operações de crédito em geral do SFN (R$ 6,8 trilhões).
Em nota, o governo de Mato Grosso diz que, apesar de ter sido citado pelo ministro Mendonça, não tem relação com a lei.
O Executivo faz parte de polo ativo da ação do Ministério Público que investiga empresas que podem ter lesado servidores em operações de crédito consignado. “O estado tem trabalhado em todos os âmbitos para identificar e punir práticas ilegais ou abusivas que tenham prejudicado servidores públicos ou a administração”, diz o governo.
Procurada pela reportagem, a Assembleia Legislativa de Mato Grosso não respondeu aos e-mails enviados.



