BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O parecer do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), relator do projeto Antifacção no Senado, cria novos tipos penais para facções e estabelece um mecanismo de arrecadação que poderá destinar R$ 30 bilhões por ano ao combate às organizações criminosas.
A proposta cria o crime específico de facção criminosa, dentro da Lei de Organizações Criminosas. A classificação abrange grupos que atuam com controle territorial ou operações interestaduais, usando violência, coação ou ameaça.
Se o projeto for aprovado e sancionado por Lula (PT), a pena para quem promove, constitui, financia ou integra uma facção será de 15 a 30 anos de reclusão.
O texto também estabelece a figura da facção criminosa qualificada, aplicada a integrantes que exercem papel de liderança. Nesse caso, a pena prevista é aumentada. Os crimes desse artigo não podem receber anistia, graça, indulto, fiança e livramento condicional.
“A pena para o líder pode chegar a 120 anos, caso estejam presentes todas as circunstâncias”, disse Alessandro Vieira à Folha.
No texto, a constituição de milícia privada é equiparada à facção criminosa para todos os fins legais.
O projeto de lei original foi elaborado pelo governo Lula e modificado na Câmara, onde o relator foi Guilherme Derrite (PP-SP). O texto foi apresentado nesta quarta-feira (3) na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), mas um pedido de vista adiou a votação, que deve ocorrer somente na próxima semana.
Integrantes da cúpula do Ministério da Justiça avaliam positivamente as mudanças realizadas pelo senador.
“Avaliamos como altamente positivo e técnico o relatório aprimorado pelo Senador Alessandro Vieira, pois retoma a criação do novo tipo penal facção criminosa, no marco normativo adequado, qual seja, a Lei de Organizações Criminosas e equipara a correlação com as milícias”, disse o secretário-executivo da pasta, Manoel Carlos de Almeida Neto.
O projeto estabelece ainda que pessoas condenadas ou mantidas em custódia cautelar por esses novos tipos penais, havendo indícios concretos de comando individual ou coletivo, deverão cumprir obrigatoriamente a pena ou a prisão preventiva em presídio federal.
O projeto ainda tipifica o crime de favorecimento a facção criminosa ou milícia privada, com pena de 8 a 15 anos de reclusão para quem oferecer abrigo, auxílio ou informações, ceder locais ou bens para práticas criminosas, distribuir material que incentive o ingresso nesses grupos ou falsamente se declarar integrante para obter vantagem ou intimidar terceiros.
O novo texto aumenta ainda diversas penas, a exemplo dos crimes de homicídio, lesão, roubo, ameaça, extorsão e estelionato, quando praticados por integrantes de facções criminosas ou milícias privadas.
O projeto aprovado pela Câmara havia criado uma lei autônoma com novos tipos penais, como o de Domínio Social Estruturado, que previa penas de até 40 anos, o que foi retirado do texto.
O governo federal chegou a contestar essa estrutura por considerar que a criação de uma lei separada poderia gerar conflitos e sobreposições com normas já vigentes, especialmente com a Lei de Organizações Criminosas.
Outro ponto que gerou forte polêmica dentro do governo federal foi a discussão sobre os fundos. Segundo a avaliação da gestão, a proposta poderia reduzir recursos federais destinados ao combate à criminalidade, inclusive verbas hoje direcionadas à Polícia Federal.
A proposta do senador foi criar uma nova parcela do Fundo Nacional de Segurança Pública dedicada exclusivamente ao combate ao crime organizado, reforçando operações integradas, infraestrutura de inteligência e o sistema penitenciário, sem reduzir os recursos já destinados ao fundo.
Para isso, há uma nova fonte de financiamento através da Cide-Bets (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) em cima das bets, que, segundo estimativas apresentadas pelo Banco Central em audiência pública, poderá gerar até R$ 30 bilhões por ano para ações de enfrentamento às facções.
“Trata-se do maior investimento em segurança pública da história, com capacidade para mudar o cenário do combate ao crime organizado e ‘devolver o Brasil aos brasileiros'”, disse Vieira, no relatório.
Esse novo recurso tem a finalidade de financiar exclusivamente ações de combate ao crime organizado e de fortalecimento da segurança pública e do sistema prisional. Entre elas, a construção, ampliação, modernização e aparelhamento de estabelecimentos penais e a aquisição e modernização de equipamentos, sistemas e infraestrutura para atividades de Ficcos (forças integradas de combate ao crime organizado), Polícia Federal e unidades de inteligência financeira.
É proibido o uso desses recursos para pagamento de despesas com pessoal ativo e inativo e encargos sociais, exceto despesas de caráter transitório como diárias, passagens e gratificações ligadas à participação em operações integradas.
O projeto prevê ainda um prazo de 180 dias para que o Executivo estude e apresente uma proposta de reestruturação dos mecanismos existentes, como Funad (Fundo Nacional Antidrogas), Funapol (Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-Fim da Polícia Federal), Fundo Nacional de Segurança Pública, Funpen (Fundo Penitenciário Nacional).
O relator suprimiu ainda trechos considerados inconstitucionais, como o que proíbe o pagamento de auxílio a familiares de pessoas presas.
Na Câmara, sob protesto de governistas, a relatoria ficou a cargo de Guilherme Derrite (PP-SP), secretário de Segurança Pública na gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) até esta segunda (1º).
A Câmara dos Deputados aprovou o projeto após sexta versão apresentada pelo relator. A votação representou um revés ao Palácio do Planalto, que tentou adiar a apreciação da proposta por discordar das mudanças feitas ao texto.
A sessão foi marcada por um embate entre governistas e oposicionistas acerca do conteúdo do projeto. O líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), disse que essa versão apreciada pelos deputados favorecia organizações criminosas.
Já o líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), celebrou a votação, afirmando que a Câmara dá uma resposta “ao Brasil que tanto se desespera pelo pior problema que aflige os brasileiros: a segurança pública”.
VEJA ALGUNS PONTOS DO PROJETO
– Criação do tipo penal de facção criminosa
– Inclui novos tipos penais, como o de facção criminosa, diretamente na Lei de Organizações Criminosas, em vez de manter uma legislação separada. Elé é caracterizada por controle territorial ou atuação interestadual, com pena de 15 a 30 anos com previsão de causas de aumento.
– O projeto na Câmara criava uma lei autônoma com novos tipos penais, entre eles o de Domínio Social Estruturado, cuja pena poderia chegar a 40 anos, com previsão de causas de aumento. Houve a retirada desse ponto da no projeto do Senado.
– Criação do tipo penal de facção criminosa qualificada
– Aplicada a integrantes que exercem papel de liderança. Nesse caso, a pena prevista é dobrada com previsão de causas de aumento.
INDULTO
– Os crimes deste artigo são insuscetíveis de anistia, graça, indulto, fiança e livramento condicional
– Milícia privada passa a ser equiparada a facção criminosa
– Milícia é considerada organização criminosa para todos os fins legais
AGRAVAMENTO DE PENAS
O texto mantém o aumento, assim como a versão da Câmara, de pena para homicídio, lesão corporal, roubo, ameaça, extorsão e inclui estelionato quando cometidos por integrantes de facções ou milícias
MANUTENÇÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI
O Tribunal do Júri fica mantido em casos cometidos por facções e milícias por exigência constitucional, com inclusão de dispositivos para proteger jurados em julgamentos relacionados a facções e milícias. O texto da Câmara barrava essa possibilidade.
AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA PREFERENCIALMENTE POR VIDEOCONFERÊNCIA
– A audiência de custódia será feita preferencialmente por videoconferência, mas vai depender da decisão de cada tribunal. O texto da Câmara dizia que era regra ser por videoconferência
– Retirada dos dispositivos que proibiam auxílio-reclusão e restringiam direito ao voto
– Considerados inconstitucionais, os dois pontos foram retirados do texto
MANUTENÇÃO DA PROGRAMAÇÃO DE REGIME DA PENA
Mantém o aumento do tempo necessário para progressão de regime, assim como o texto da Câmara, podendo chegar a até 85% da pena, se a pessoa for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte
FUNDO
ria uma nova parcela do Fundo Nacional de Segurança Pública dedicada exclusivamente ao combate ao crime organizado. Para isso, há uma nova fonte de financiamento através da Cide-Bets, que pode gerar até R$ 30 bilhões ao ano. O texto da Câmara não previa novo financiamento, somente uma redistribuição do fundo entre estados e governo federal
BANCO NACIONAL
O texto cria o Banco Nacional de Organizações Criminosas, a ser regulamentado em até 180 dias, reunindo dados unificados sobre pessoas físicas e jurídicas que integrem, financiem ou colaborem com organizações criminosas. Estados e Distrito Federal poderão aderir ao banco nacional ou instituir bancos próprios interoperáveis, garantindo o intercâmbio direto de informações. O texto da Câmara obrigava a criação de ambos os bancos. No texto do senado, o Estado deve criar ou aderir ao banco nacional
RIFS DO COAF
– O texto possibilita que o delegado de polícia e o membro do Ministério Público possam requisitar os chamados RIFs (Relatórios de Inteligência Financeira) ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). O texto da Câmara não previa esse ponto
– Permite apreensão e perda de bens mesmo sem condenação penal
– O texto institui mecanismos para garantir o perdimento de bens e ativos ilícitos mesmo na ausência de uma condenação penal definitiva, atuando em duas frentes: a civil e a criminal. O texto da Câmara tinha essa previsão, mas houve inclusão de novos pontos que dão mais robustez à proposta
NOVAS FORMAS DE INVESTIGAÇÃO
Há a previsão de infiltração por policiais em atividades de investigação ou, excepcionalmente, por colaborador, na forma prevista para a colaboração premiada. A Câmara havia retirado a infiltração do colaborador



