SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Antes do desembarque na galeria Nara Roesler, em São Paulo, as esculturas de “Do Vento” atravessaram quilômetros pelo mar. Em viagem, Xavier Veilhan transformou um barco em ateliê e desenvolveu parte das obras com equipamentos manuais, sem usar eletricidade. Segundo ele, a ideia não era encontrar inspirações na natureza. O artista queria ressignificar o espaço, inserindo peças num meio em que pudessem ressoar.

“O homem sempre criou objetos, fossem eles artísticos ou ferramentas, para entender o seu ambiente. É como se houvesse elos perdidos nos elementos que nos rodeiam e tentássemos preenchê-los, preencher esse ambiente ao criar obras que se tornam ferramentas de percepção”, diz o francês, que sobrepõe lâminas de madeira compensada ao moldar formas que lembram seres humanos e animais.

Exemplo disso é “Aure 1”, em que uma pessoa monta um tipo de cachorro. Com fragmentos das árvores imbuia e bétula, a peça unifica partes humanas e do quadrúpede. Os joelhos do passageiro, por exemplo, se confundem com a garupa do ser que o carrega. Já os pés de ambas as espécies, ainda que fisicamente separados, são constituídos pela mesma base material.

A impressão é parecida com a de “Aure 2”, em que uma comparação anatômica semelhante aparece com maior intensidade. Desta vez, as distinções entre o homem e o animal são mínimas –as superfícies que compõem a escultura adquirem contornos mais abstratos e tudo aparenta se confundir num corpo só.

O objetivo, nas palavras de Veilhan, era evitar a representação total de imagens que o inspiraram. “No caso de ‘Aure 1’, eu queria que parte do objeto aparentasse estar imerso na água”, afirma o artista ao referenciar o marrom escuro de alguns pedaços.

Distante dos seres vivos, outra peça que chama a atenção é “Le mobile nº 2”, em que o francês suspende esferas e cilindros de madeira. O conjunto sugere um sistema solar primitivo, mas o autor deixa as interpretações para quem o observa.

“Não se trata de ilustrar a nossa relação com o universo. Eu apenas destaco elementos que podem auxiliar a compreensão de um contexto maior. O público é quase central na minha prática. O artista está presente numa exposição ao gerar encontros entre as pessoas que a visitam e o que nela é apresentado. O mais importante é o que será percebido.”

Ao redor das esculturas, círculos amarelos tomam as paredes e delimitam limites no salão que as reúne. Seja pelos corpos que remetem à ideia de movimento, seja pelo diálogo entre desenhos e o tridimensional, “Do Vento” recupera o exercício da cartografia. Essa noção complementa as navegações náuticas de Veilhan -a produção teve início no mar, o artista finalizou as obras na própria galeria. A exposição se transforma numa espécie de mapa, que delineia o terreno específico que cada obra deve ocupar.

Veilhan também reserva uma parede para uma pequena coleção de pinturas. Elas, inclusive, são anteriores à abstração das esculturas. Seus traços são mais concretos que as demais peças. Dão à luz um pássaro, um violino, uma laranja e um mamão com toda clareza. Ao retratar um instrumento musical e espécies animais e vegetais, o francês reúne imagens que remetem a sentidos como a audição e o tato. Ele tensiona a relação entre o homem e as artes.

“Me diverte resgatar a prática da pintura, talvez mais pesada, mais complicada do que o domínio da escultura, pois existe na primeira um peso histórico mais importante. Não se pode fazer uma pintura sem provocar imediatamente vários questionamentos, enquanto o campo da escultura é talvez mais livre.”

Ao lado dos quadros, uma sala escura exibe um curta-metragem. Na embarcação-ateliê, um homem coberto por camadas de tecido emula uma figura monstruosa. Outro, por sua vez, veste cordões pretos bastante grossos. Eles dividem a projeção com um ser mascarado e com outros tripulantes.

Nas cenas filmadas à noite, a luz da equipe de captação reluz sobre as águas e ilumina amontoados de algas e outras texturas aquáticas. Pela manhã, a câmera prioriza o convés. É ali que os personagens manipulam as cordas do barco, que caem sobre o chão e imprimem círculos, formatos e padrões dignos de desenhos e pinturas.

Segundo Veilhan, “O Filme Fantástico” traz mais perguntas do que respostas e reforça mistérios que levam artistas a viajar longas distâncias pelo mundo. “É preciso ver sem buscar explicações racionais.”

DO VENTO

Quando Seg. a sex., das 10h às 19h; Sáb., das 11h às 15h; até 20/12

Onde Nara Roesler – av. Europa, 655, São Paulo

Preço Grátis

Classificação Livre

Autoria Xavier Veilhan