BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – A União Europeia lançou um novo plano para estimular a bioeconomia no bloco. O documento elaborado pela Comissão Europeia é ambicioso e projeta, por exemplo, carbono usado na produção de plástico obtido a partir de biomassa. O problema é que não há árvores, plantações, terra ou até mesmo resíduo orgânico suficiente para tamanha tarefa.
De acordo com o documento “Um Quadro Estratégico para uma Bioeconomia Competitiva e Sustentável na UE”, lançado na semana passada, atividades ligadas à produção ou conversão de biomassa ocuparam 8% da força de trabalho e adicionaram EUR 863 bilhões ao PIB do bloco no ano de 2023; de 2008 a 2020, responderam por 5% das patentes.
As tecnologias já existem ou estão perto de se tornarem viáveis, e o campo é promissor não apenas pelos ganhos ambientais, mas também pela economia que pode gerar.
Na Europa, em crise energética e existencial provocada pela invasão russa da Ucrânia, substituir os combustíveis fósseis usados para a fabricação de produtos plásticos e químicos, materiais de construção e fibras por materiais orgânicos que se regeneram, como árvores e plantações, é uma ideia tentadora.
A ponto de desviar a atenção do bloco para a realidade, segundo críticos. “Em vez de definir uma estratégia que enfrente a procura excessiva de recursos da Europa, a Comissão agarra-se à ilusão de que podemos simplesmente substituir o nosso consumo atual por insumos de base biológica”, diz Eva Bille, diretora do Escritório Europeu de Meio Ambiente (EEB, na sigla em inglês), que reúne quase 200 entidades do setor no continente.
Pior, afirma a ambientalista, “ignorando os danos graves e imediatos que isso causará às pessoas e à natureza”.
A preocupação expressada pela EEB é um dilema comum em políticas de transição energética ou que buscam uma economia de baixo carbono: é melhor buscar uma maneira limpa de produzir mais ou antes buscar produzir e consumir menos?
Ao lançar o programa, na última quinta-feira (27), Jessika Roswall, comissária de Meio Ambiente da UE, respondia a pergunta já no cenário escolhido para a apresentação, uma espécie de showroom de produtos ecológicos, inclusive uma banheira feita de composto de madeira e tecidos reciclados da H&M, gigante sueca de fast fashion.
A leitura do documento de 23 páginas também mostra que o foco do projeto está em investimento, escala e parcerias globais, enquanto ambientalistas defendem um debate anterior, de quanta biomassa a Europa consegue produzir neste momento, de quanto é gasto para produzir energia e quanto deveria ser levado à transformação em produtos.
As florestas europeias, por exemplo, trabalham no limite. São 40% do território do continente, absorveram 10% das emissões provocadas pela atividade humana entre 1990 e 2022, mas essa capacidade está em declínio.
A absorção de CO² de 2020 a 2022 foi 27% menor em comparação à observada de 2010 a 2014. Queimadas, degradação do solo, uso excessivo da terra e a mudança climática afetam o bioma, a biodiversidade e sua capacidade de se regenerar. Estressar ainda mais o sistema, com coleta maior de material orgânico, preocupa os especialistas.
Segundo o EEB, o relatório, no lugar de ressaltar oportunidades de negócios, deveria estabelecer parâmetros de uso e principalmente de não uso da biomassa.
Paradoxalmente, Bruxelas e o Parlamento Europeu, em Estrasburgo, caminham na direção contrária. Neste mês, podem sacramentar o adiamento e também a transfiguração da lei antidesmatamento da UE, que ganhou muito destaque no Brasil pelo potencial de coibir a importação de commodities derivadas de áreas verdes derrubadas para sua produção.
A implosão da legislação, porém, não se dá pelo lobby brasileiro e de outros países, mas pela pressão interna de ruralistas, abraçada por políticos conservadores e da ultradireita. Diversas disposições da lei valem igualmente para o território europeu, o que provocou forte reação de um setor que vive em permanente crise financeira e demográfica.
Pressão parecida derrubou em outubro uma série de exigências relacionadas ao monitoramento de florestas em nome de um esforço de redução de burocracia.
Restariam ao continente outras alternativas de biomassa, que também não conseguiriam atender a um aumento de demanda, a despeito do relatório da comissão falar em autossuficiência. Cerca de 70% da ração usada na pecuária é importada e, na visão de ambientalistas, para atender a uma superprodução prejudicial à natureza e à população no longo prazo.
Mais lógico seria, pela tese divergente, buscar a contenção da criação, assim como um um novo padrão de alimentação, ambientalmente sustentável e mais saudável.
Faltaria ainda ao documento justamente essa priorização dos diversos usos de biomassa e afastá-la de sistemas ineficientes de produção de energia. Um primeiro rascunho do projeto trazia essa preocupação, que acabou suprimida após lobby de setores econômicos interessados.
O plano, na versão lançada agora, caminha em direção quase contrária, abordando inclusive a possibilidade de trazer biomassa de fora do continente, algo que demandaria uma legislação específica.
Como ocorre no caso dos biocombustíveis, um passo que deve enfrentar resistência. Produtos como o etanol brasileiro emitem dióxido de carbono quando queimados; só são considerados neutros pela absorção obtida na plantação de cana usada para fazê-los.
Não há muita lógica em importar dióxido de carbono quando a ideia é se livrar dele.
Os primeiros itens sugeridos pelo relatório devem ir a voto no primeiro trimestre de 2026. A implantação completa deve se estender até 2030.



