SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As pessoas com deficiência intelectual apresentam maior prevalência e risco de transtornos mentais quando comparadas a pessoas sem esse diagnóstico, aponta um estudo da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) publicado recentemente no periódico BMJ Open.

A pesquisa utilizou dados da edição de 2019 da PNS (Pesquisa Nacional de Saúde), do IBGE, e os autores afirmam ser o primeiro estudo a analisar informações nacionais sobre saúde mental dessa população.

Entre os 272.499 respondentes da PNS, 1,2% (3.198) declararam deficiência intelectual. Nesse grupo, 43,2% relataram pelo menos um transtorno mental, ante 13,7% na população sem deficiência.

A Lei Brasileira de Inclusão (13.146/2015) reconhece a pessoa com deficiência intelectual como aquela com impedimento de longo prazo, que, interagindo com barreiras, pode ter sua participação plena na sociedade dificultada.

Entre adultos de até 59 anos, o estudo da Unifesp aponta que o risco associado à deficiência intelectual foi cerca de três vezes maior para depressão, 12 vezes maior para outros transtornos mentais (transtorno de ansiedade, síndrome do pânico, esquizofrenia, transtorno bipolar, psicose ou transtorno obsessivo-compulsivo) e 14 vezes maior para a combinação de depressão com outro transtorno mental.

A autora do estudo, Gabriela Arantes Wagner, do programa de pós-graduação em Saúde Coletiva da Unifesp, explica que a hipótese inicial se apoiava em evidências internacionais que já indicavam maior ocorrência de transtornos mentais nessa população e lacunas relevantes na oferta de cuidado, como falta de preparo profissional, estigma e baixa acessibilidade. Ainda assim, afirma que não esperava encontrar prevalências tão altas no Brasil.

Segundo Wagner, a PNS de 2019 foi decisiva ao incluir, pela primeira vez, perguntas específicas sobre deficiência. Ela aponta fatores que ajudam a explicar o cenário brasileiro, como dificuldades de acesso físico aos serviços, barreiras econômicas, desigualdades marcadas por raça e cor, dependência de cuidadores para navegar no sistema de saúde e o capacitismo, que leva profissionais a atribuir qualquer sofrimento mental à deficiência intelectual.

“Parte-se do princípio de que o indivíduo é a deficiência, e não uma pessoa com deficiência intelectual em sofrimento”, afirma.

Essas barreiras, segundo o estudo, favorecem o subdiagnóstico e o tratamento inadequado. Wagner defende ampliar o financiamento e a cobertura da Raps (Rede de Atenção Psicossocial) , além de expandir serviços especializados capazes de oferecer acolhimento adequado.

“Políticas públicas baseadas em evidências precisam olhar para esses dados. Uma pessoa com deficiência intelectual entre 0 e 59 anos no Brasil tem quase 13 vezes mais chance de ter depressão ou outro transtorno mental. Isso mostra sofrimento real e exige respostas do sistema de saúde”, conclui.

O estudo contou com apoio do Instituto Jô Clemente (IJC), organização que atua na promoção da saúde, qualidade de vida e inclusão de pessoas com deficiência intelectual, transtorno do espectro autista (TEA) e doenças raras.

Gustavo Schiavo Matias, coordenador do Centro de Ensino, Pesquisa e Inovação do IJC, afirma que os dados confirmam um padrão observado no atendimento da instituição. Ele aponta que a carga de comorbidades clínicas, a fragilidade das redes de apoio e experiências frequentes de capacitismo aumentam o risco de adoecimento mental.

O subdiagnóstico e o diagnóstico tardio, segundo Matias, fazem com que o sofrimento se acumule e agrave o quadro dos usuários. Ele destaca que a deficiência intelectual é uma condição do neurodesenvolvimento, não um transtorno mental, mas lembra que tanto as pessoas com deficiência quanto seus cuidadores têm necessidades específicas de saúde e de saúde mental que muitas vezes não são reconhecidas pelos serviços.

As desigualdades socioeconômicas e territoriais identificadas pelo estudo aparecem diariamente no atendimento do IJC. Matias cita deslocamentos longos e custosos, filas extensas, barreiras de comunicação e falta de informação, fatores que limitam o acesso a serviços especializados e ampliam a sobrecarga emocional e financeira dos cuidadores.